Fotografias recentes

Alguns primos postaram fotos deliciosas da nossa matriarca em redes sociais.

Aqui estão algumas delas.

Por Nadine Farias

Por Nadine Farias

Por Neili Farias

Por Neili Farias

por Leticia Dos Reis Farias

por Leticia Dos Reis Farias

A Partida

Esta semana nossa autora completou seu ciclo de vida e partiu. Deixará saudades a seus entes queridos, mas também a felicidade de ter-nos permitido ser parte de sua história.
Publico alguns textos e fotografias compartilhados por seus filhos e netos esses dias, a começar por um texto de Rodrigo Araês, seu filho.

“Minha Matriarca, Fernandina, faleceu hoje, às 9:21 horas da manhã, aos 98 anos de idade. Foi uma libertação do sofrimento que ela estava tendo, e creio que ela cumpriu toda a sua promessa de vida.
Coloco aqui um poema inspirado pela minha falecida sogra, Maria, três meses depois de seu falecimento. Acho que corrobora todos os sentimentos meus e de meus treze irmãos, além dos genros, noras, netos e bisnetos.
Amém,
Rodrigo Araês,

Partida

Fui embora
não fiquem tristes com a minha partida
pois nada que amo ficará perdido
É mais uma pena que me fará voar.

E, pairando, nem sentirei que a vida é breve
pois minha alma estará mais leve
lembrando todos a que pude amar.

Portanto, crianças, eu vos espero no eterno agora
Onde não existem idas e vindas, apenas memórias,
ilusões de um passado que se torna lembrança.

E chegarão até mim seguindo o rastro
do amor que permaneceu comigo.
Saberão enfim que nunca fui embora
que era falsa a minha despedida
que almas irmãs não se separam…

Rodrigo Araês Caldas Farias
São Paulo 08/03/96 – 9:10”

Google Imagens

“Sul de Portugal” era a informação dessa fotografia, que pertence ao álbum de viagens e foi tirada pelo vô.

Como comentei anteriormente, muitas das imagens da viagem estão identificadas com informações muito amplas e foi através de pesquisas na internet que consegui localizar com precisão onde foram tomadas as fotos.

Essa fotografia da praia de Faro, encontrada pelo Google Imagens, era semelhante à foto original, porém não era suficiente para me dar certeza do local.

Também dificulta que muitas das imagens que encontro estão muito pequenas ou em qualidade ruim ou em ângulos muito diferentes das fotos do álbum de viagens da vovó Dina.

Comparando as construções marcadas em vermelho nessa imagem (encontrada pelo Google) com as que estão na foto original me convenci que as duas fotos foram tomadas no mesmo lugar. O que está em volta se modifica um pouco, o que é natural, já que mais de 40 anos de tempo separam as duas imagens.

Sogra ou mãe?

Eu estudava na ETI Lauro Gomes, em São Bernardo do Campo, nos idos anos de 74/75. Lá tinha um professor com voz tonitroante, chamado Rodrigo. Era um ser esquisito, porque ensinava matérias como amplificadores operacionais mas também falava de outras coisas, que nada tinham a ver com os tais amplificadores. Falava coisas ligadas à alma e à essência do ser. Um sacrilégio para um professor de eletrônica, ainda mais naqueles tempos de ditadura.

Um dia o procurei, já não me lembro exatamente o motivo. Ele estava na sala dos professores e me perguntou qual a diferença entre o zero e o um. Eu pensei bem e disse que achava que eram essencialmente a mesma coisa. Ele provavelmente achou minha resposta razoável, acredito, e me convidou para uma reunião espiritualista na casa de sua mãe, a Matriarca, na Vila Mariana. Eram reuniões de quarta-feira – e eu não tinha a menor idéia do que se tratava.

Quando apareci na primeira reunião em que fora convidado, vi uma pessoa: Siomara. Olhei pra ela e me disse: é ela, a minha metade. Não contei a ninguém, mas acredito que a recíproca foi verdadeira. E instantânea. Depois das reuniões ficávamos a ouvir música MPB na sala da casa, e na segunda ou terceira reunião Siomara veio e me arrancou um beijo. Eu ainda era cheio de vergonhas e de medos adolescentes, mas não resisti, confesso, àquele primeiro doce beijo. Aí, a certeza que tive quando a vi, pela primeira vez, se transformou numa certeza de 35 anos de convivência.

Dona Fernandina, a Matriarca, que ainda não era minha “sogra”, começou a notar que eu não ia embora depois que acabavam as reuniões, ficava ali na sala de estar namorando até tarde, enrolando pra ir embora. Um dia ela veio com um copo de leite quente e me disse:

– Tome este leite meu filho – e vá para sua casa! (com a doçura e a candura com que sempre me tratou).

Pouco tempo depois estava casando com sua filha, mas nunca a vi como sogra. Sempre a chamei de mãe e a vejo assim até hoje, como uma segunda mãe. Nestes anos todos convivi mais com ela do que com minha própria mãe, a quem vejo com muita pouca freqüência.

É do ventre dessa mulher bendita que nasceu Siomara, ou Mamaia, como eu e íntimos a chamavam  carinhosamente. Que me deu 3 filhos benditos. Que infelizmente daqui partiu e nos deixou com uma saudades sem tamanho e sem precedentes.

Felizmente ainda posso visitar a Matriarca e, ao ve-la, beber um pouco da água da fonte que tudo gerou. Ou tomar um copo de leite e beber um pouco mais de vida.

Mãe e filha na véspera de Natal de 2010

Meu encontro com o MAR – por Osmar Jatobá

Anthenor e Sr. Ernesto, grande amigo, pai de Osmar.

Osmar Jatobá era um dos filhos de Ernesto Jatobá e D. Adalzinda (vulgo Dadá).

Sr. Ernesto trabalhou com meu avô Fernando, na fábrica de curtume em Viçosa(AL). Tinha já dois filhos Wilson e Osmar. Depois vieram Wilmar, Maria José, ou Zeza e Everaldo.

Zeza tornou-se aeromoça e quando ia nos visitar, entre viagens, enchia-nos a vista, com seu uniforme, e principalmente seu casquete, o que nos fazia sonhar em nos tornarmos também aeromoças, quando crescêssemos.

Sr. Ernesto tornou-se depois grande amigo de meu pai, que o chamava carinhosamente de Compadre.

Osmar era bem mais novo que papai, cerca de 9 anos e entrou para o Banco do Brasil como contínuo, a convite de papai, em Itajubá, onde mais tarde casou-se com Ana Maria, filha de um fazendeiro e tiveram 3 filhas Wania, Waleska e Walquiria.

Quando papai transferido para São Caetano, mudou-se também para lá e mais tarde, foi para Brasília e mais recentemente, voltou para Maceió, onde veio a falecer no ano passado.

Lembro dele com muito carinho. Era alegre, espirituoso, gostava de cantar, contar piadas. Quando vinha nos visitar a casa se enchia de alegria.

Em sua última viagem para Maceió, Anajas foi presenteada por ele, com este texto, que a meu ver, é uma pérola de sensibilidade e escrita.

Espero que gostem.

Meu encontro com o MAR – por Osmar Jatobá

Osmar Jatobá

Seu amigo Anthenor de Braga Farias estava em Viçosa a serviço do Banco do Brasil. Creio que adido, prestando algum serviço, em substituição a um colega de férias, ou coisa parecida. É claro que ele era nosso hóspede, pois foi e é, seu melhor amigo.

Aos sábados, na parte da tarde, viajava a Maceió para ver a família e o senhor providenciava uma condução para ele. Às vezes até no trem de carga; outras, de carona.

Em um sábado, não foi possível uma carona ou mesmo um trem de carga e o senhor conseguiu um carro, parece-me que do Zé Tenório do Bonito. O motorista era o Antonio Barruada. Anthenor sempre me prometia que eu iria conhecer Maceió para o ver o MAR, coisa com que sonhava muito, e minha paixão era entrar em contato com aquele montão d’água. Em mim brotou mais vontade e uma esperança de ficar perto de tanta água e experimentar se era realmente salgada, como o povo falava.

Wilmar, já estudando na capital do Estado, me contava coisas incríveis do Oceano Atlântico e outras coisas da capital, onde moravam o governador, o bispo, os deputados e muita gente importante. Eu tinha loucura de andar de bonde e ver o MAR. Cada dia que passava eu ficava mais e mais querendo descobrir coisas novas. De Viçosa a Maceió eram somente 90 quilômetros; para a época atual, um salto, todavia nos anos 40, uma viagem e tanto, cheia de atropelos: estradas ruins, muitas curvas e ainda mais a serra de Dois Irmãos, que era perigosíssima. Minha mãe sempre dizia quando se viajava pela serra: – Cuidado com a Serra dos dois Irmãos! Cuidado com a Serra!

Anthenor Farias já me havia prometido um passeio até a capital e eu ficava esperando por esse bendito dia. Queria mesmo era fazer inveja para muita gente. Wilmar não, já era conhecedor de tudo por lá e residia na rua 7 de Setembro, 116, atrás da praça Sinimbu que ficava próximo à praia e junto ao rio Salgadinho – cheio de cachorro morto e urubus rondando alguma carniça para comer.

Data marcada: um sábado chuvoso e já meio frio, estávamos no início do inverno. Antonio Barruada já nos aguardava com o Ford do Zé Tenório do Bonito. Acabamos de tomar o nosso café da manhã (bem cedo mesmo) e lotamos o Ford com macaxeira, inhame, espiga de milho para o cuzcuz, batata doce, banana, laranja lima e muita carne de boi comprada no açougue do seu Né Mata.

Partimos. Eu, alegre, sorridente e aguardando o momento espantoso de me relacionar com tanta água salgada. Olhando tudo que passava; roças, bois, galinhas, cachorros latidores e uma porção de gente por aquela estrada sinuosa. Saímos em direção ao Sabalangá. Ia olhando o Rio Paraíba no seu leito de pedras e curvas e ele sempre nos acompanhava. O senhor e seu amigo Anthenor iam no assento traseiro, eu fazia companhia ao Barruada que comandava o Ford do Zé Tenório.

Passamos pela Boa Sorte do Coronel Vilela (pai do Teotônio) e de lá rumamos em direção à Balança, que dava início à descida da Serra dos Dois Irmãos. Lembrei-me das recomendações de minha mãe: – Cuidado com a Serra!

A estrada estava com muita lama, com certeza havia chovido na noite anterior. De repente, o Ford começou a ratear e parou antes da serra. Antonio Barruada desceu do Ford e abriu o capuz, olhou, mexeu, tentou dar a partida na manivela e nada do bicho pegar. Minha aventura estava em perigo. Será que não era ainda o dia certo para eu me familiarizar com o Oceano Atlântico? Estava já ficando agoniado e com receio de perder aquela oportunidade. O carro do Zé Tenório do Bonito estava contra mim. Que fazer para se continuar a viagem até Maceió?

Subitamente apareceu na estrada, vindo da direção de Viçosa, um caminhão carregado de algodão, que seria uma oportunidade de dar continuidade à nossa viagem. O senhor, com sua sabedoria e jeito, conversou com o motorista conseguindo uma carona até a capital do Estado. O motorista disse: – Para o senhor e seu amigo tem lugar, pru menino não (o menino era eu). Tristeza, chateação – e a ilusão caiu por águas abaixo.

Não era ainda a minha vez de conhecer o Mar e nem a capital do Estado. Os bondes ficavam me esperando até não sei quando. O caminhão rumou pelo caminho levando o senhor e seu amigo e eu olhava com tristeza aquele sonho perdido. Para mim não haveria outra oportunidade, só aquela era a verdadeira. Com que cara eu ia chegar em casa vendo meu desejo frustrado? E a gozação dos que ficaram por lá querendo saber as notícias de meu encontro com o Oceano Atlântico? Como ia me comportar? A vontade era não voltar a casa para não ter de ouvir o “manga ele”. O senhor e seu amigo Anthenor continuaram a viagem. Nós, eu e o Barruada, estávamos ali tentando “arrumar” o Ford.

Recordo-me que o motorista, entrou numa venda, bebeu uma cachaça e trouxe dois litros da branquinha para o automóvel Ford Bigode. Ali mesmo, em frente à venda, deu de beber àquela máquina; pediu-me para apertar o acelerador e torceu várias vezes a manivela do carro. A resposta foi rápida, o bicho começou a trabalhar. Para casa, a distância era pouca e logo chegamos na Viçosa debaixo de chuva.

Espanto geral. Minha mãe perguntou-me o que havia acontecido. Narrei o ocorrido, ajudado pelas informações do Barruada. Àquela hora, o senhor e seu amigo já deveriam ter chegado e o MAR possivelmente sentiu a minha ausência.

Wilson, Zeza, Nega Tonha e até mesmo o veado do Zé Misericórdia, tiraram o sarro, mangando de mim. Manga dele! Manga dele! Ouvia a tudo e ficava calado. Foi a maior decepção de minha vida. Será que haveria outra oportunidade?

Segunda-feira, regressava à Viçosa seu amigo Anthenor. Riram de mim e seu amigo prometeu que no próximo sábado iríamos de trem. Ele até me disse: – Quero ver se o danado vai encrencar! Tudo bem, foi a semana mais longa de minha vida. Eu não conseguia dormir direito, tudo para mim se resumia no trem partindo para Maceió e eu chegando perto da praia e lá experimentava a água para verificar se era realmente salgada como o povo dizia.

Chegou o sábado, acordei de madrugada, mais ou menos às três da manhã e não consegui conciliar o sono. Sonhava acordado e já imaginava como era o Oceano Atlântico. Seria maior que o rio Paraíba? Certamente maior do que o açude lá de Mar Vermelho, arrodeado de lajedo e baronesas. Os mais velhos diziam que por ali corria lobisomem. As horas caminhavam com preguiça. Eu já estava agoniado; queria acordar todo mundo e ir imediatamente para a estação esperar o trem mesmo ali no escuro.

Ouço rumores. Alguém tosse, uma vela transmite luz, sinto cheiro do fósforo. Agora é real e os movimentos são mais acentuados. Renascem as esperanças, o dia começa a clarear, as estrelas se envergonham da claridade e fogem. A hora do trem chegar já está próxima; crio mais alegria, o barulho agora vem da cozinha. A Nega Tonha começa a ralar as espigas do milho zarolho para o cuscuz. Sinto cheiro da casca da laranja seca queimando para acender o carvão e logo teremos um farto café com cuscuz, macaxeira, inhame, batata doce e pão dormido.

João Panã está à espera pelas malas e nos informa que o trem já partiu de Paulo Jacinto. Agora estamos apressados e saímos em direção à estação. O senhor havia providenciado as passagens via União dos Viajantes de Pernambuco, que eram mais baratas.

Finalmente a máquina do trem apontou na curva da rua do Cravo. Eu já estava agoniado e queria mesmo era me ver dentro do trem olhando tudo que ficava para trás. Tomamos os nossos acentos, primeira classe. O senhor e seu amigo vestiam o tradicional guarda-pó; eu não tinha nada para me proteger, ia mesmo era sentir a dor das fagulhas em minhas pernas.

Apitando e bufando, o trem tomava rumo ao Sabalangá. Olhava tudo: os bois, os cavalos, cachorros e o povo que, nas janelas, esperava mais uma oportunidade de sentir uma alegria naquela manhã, com a passagem do trem de ferro.

Até que, enfim, entramos nas curvas da Serra dos Dois Irmãos. Ali corria perigo, conforme minha mãe falava. Continuava admirando tudo que via: as pessoas, os animais, o rio Paraíba fazendo as suas curvas e pequenas localidades, algumas poucas usinas de açúcar e pequenos engenhos.

Era dia de feira (sábado) e o movimento aumentava a cada hora. Muitos levavam suas mercadorias para serem vendidas nos mercados e principalmente no pátio da feira. As localidades se aproximavam. Eu só conhecia de nome, por ouvir falar.

Gameleira seria a primeira, logo depois Cajueiro e em seguida Capela. O rio Paraíba continuava seu trajeto e o trem sempre o acompanhava, inclusive nas curvas. As estações estavam repletas de pessoas que também iam a Maceió. Nas estações vendedores ambulantes ofereciam milho assado, pitomba, laranja, principalmente laranja cravo, e também mungunzá.

Avistei Urupema. Em suas proximidades meus olhos perdiam-se nos canaviais. Tudo era diferente para mim desde que a minha Viçosa ficou para trás. Agora os canaviais tomavam tudo, quase invadindo os trilhos. A paisagem mudava a cada instante e eu já nem pensava muito no MAR, que tanto queria tocar e sentir.

Era a vez de Atalaia. Estranhei muito o trem entrar e sair de marcha ré. Lembrei-me que alguém já havia me dito que aquela era a terra onde o trem entrava de bunda. Achei até graça. A máquina parecia cansada e fazia força para subir a serra. Bufava, cuspia fogo e derrapava. Era necessário soltar areia nos trilhos para melhor aderência. Lá no alto ela respirava melhor e tomava fôlego para chegar em Lourenço de Albuquerque.

Ali tudo se movia com intensidade, pois havia baldeação para o rumo de Recife. Um corre-corre generalizado. Vendia-se de tudo: milho assado, pamonha, canjica, pães de todos os tipos e o de que mais fiquei gostando: uns pães doces em forma de répteis (calango, lagartixa e até jacaré). Queria, na volta, levá-los até Viçosa, para mostrá-los à minha mãe e meus irmãos.

Havia vendedores de tudo, como disse, e até mesmo se vendia água e a famosa sopa de Lourenço de Albuquerque, que era muito quente e não dava tempo de ingerir em alguns minutos. O movimento era grande e logo o trem partia rumo a Maceió. Quem não conseguia tomar a sopa, via bem que os vendedores a colocavam de volta nas panelas para serem oferecidas aos próximos passageiros dos trens que por ali passavam.

Rio Largo se aproximava. O Paraíba continuava nos acompanhando, ou nós a ele. Estávamos chegando mais próximos da capital e o MAR continuava ali, me esperando. O tempo começava a mudar e tudo indicava que chuvas iam cair. Não me preocupei com isso, queria mesmo chegar perto daquele montão d’água e provar se era mesmo salgada. Ao entrar na cidade de Rio Largo, vi e admirei outra coisa muito diferente. Ali havia uma piscina cheia d’água que não era salgada. Desejei pular lá de cima de um tal de trampolim. Não dava tempo, o trem tinha que continuar sua jornada até o final da linha e eu ainda tinha a mente voltada para aquele montão d’água.

Fernão Velho estava perto e dali a Maceió era um pulo. Comecei a admirar a fábrica de tecidos. O que se fazia mais era um tecido grosso, tipo mescla azul, e outros menos importantes como um para camisa, branco, de algodão (algodãozinho). Passamos agora por Satuba. Admirei as fábricas de tijolos e telhas; ali as pessoas ficavam atoladas em barreiro tirando massapê.

A viagem continuava e à medida que o trem rodava, o visual ia mudando paulatinamente, com melhorias, é claro. Apareciam mais casas, gente e o movimento já era de cidade grande. O som que as rodas de ferro produziam nos trilhos tornava-se mais audível e com ecos agradáveis.

Por ser sábado, dia de feira na capital do Estado, havia grande movimento por todos os lados que eu olhava. Animais, carroças, carro de mão, todos eles conduziam mantimentos, criações, para um local específico, possivelmente o mercado. Um mercado grande, bem maior que o da minha Viçosa, a Princesa das Matas.

Bebedouro ia aparecendo. De lá de baixo avistei o Farol. Eu estava completamente atordoado com tudo aquilo que acontecia naquele dia. Já havia esquecido que estava em companhia do senhor e de seu amigo. A máquina, agora sem pressa, continuava puxando os carros lotados de pessoas de todas as localidades por onde passava. Estávamos entrando em Maceió. Eu olhava tudo e via quase tudo, só não via o MAR do qual tanto me falavam. O trem agora atenuava mais e mais a velocidade e até parece que ia parar quando se aproximava do mercado. Era uma curva longa e ele passava exatamente nos fundos de mercado cheio de gente, cheio de novidade.

Repentinamente assustei-me com uma imagem azulada, esverdeada e de várias cores e muita espuma. Era o MAR. Finalmente eu via o MAR pela primeira vez desde que nasci. – Entrava na estação de Maceió e vi na minha frente casas grandes arrumadas, ruas calçadas e o bonde a deslizar em seus calçamentos. Olhei para todos os lados e vi também a casa do bispo que mandava em todas as igrejas de Alagoas.

Dali, fomos acompanhados por carregador que levava nossa bagagem e andamos a pé até a rua 7 de Setembro, número 116. Essa rua ficava atrás da C.F.L.N.B. (Cê, fê, lê, nê, bê).

Eu não tirava os olhos do Grande Açude. Meu olhar era só para ele. Passamos pela rua das Verduras, onde residia outro seu amigo, o Nino Cassiano. O MAR desapareceu e só fui vê-lo novamente quando entrava na praça Sinimbu.

Finalmente chegamos à rua 7 de Setembro, depois de passarmos pela linha do trem. A rua ficava perto da praia e dali era um pulo ir ao seu encontro.

A casa do Anthenor ficava perto do MAR. Tinha um corredor comprido e lá no fim uma sala de jantar e logo depois a cozinha.

Meio desconfiado com tudo que vi por ali, me arrisquei e fui para o quintal que era murado e observei buracos por onde penetravam pequenos siris branquinhos e moles. Fiquei admirando tudo aquilo. Em minha casa, na Viçosa, o quintal era grande e cheio de plantações. Minha mãe gostava muito de verdura.

Wilmar, Viçosa (1953)

O céu estava ficando escuro; mesmo assim, depois de comermos um feijão de corda com galinha, me arrisquei e corri para a praia. Wilmar me acompanhou. O céu começou a derramar sua carga e a chuva veio forte. Não me importei, queria era penetrar naquela água de qualquer maneira para sentir seu gosto salgado. Mergulhei com corpo e alma naquele montão de água e fui ao encontro das ondas.

Meu irmão, na praia, gritava para que eu saísse. Me fiz de surdo e continuei tibungando nas águas já turvas com tanta chuva. Olhei em redor e só eu estava lá. Matei minha vontade e senti o gosto salgado daquele líquido que tanto me atormentava em meus pensamentos. Finalmente era a vitória!

Não me lembro bem de quanto tempo passei em Maceió. Não queria a cidade. Que se danasse o governador, o palácio, a casa grande do bispo e até mesmo o bonde. O MAR era o meu encanto.

O regresso estava marcado e a tristeza começava a se apoderar de mim. Ela queria me ver sofrer me separando de meu único amigo daquele dia. O MAR.

Calado e muito deprimido, fui me despedir. A separação foi triste, melancólica. Agachei-me, enchi minha mão com sua água e a levei à boca. Senti seu sabor e lhe dei um beijo. Saí sem olhar para trás. Senti que a água dos meus olhos também eram salgadas.

Papai e o Barão

No ano passado, 2009, estivemos em Belo Horizonte, por ocasião das Bodas de Ouro da Marinete e Juraci. Foi um fim de semana maravilhoso e eu, no ônibus que nos levou do aeroporto ao hotel, contei essa história do papai e do barão e todo mundo achou deliciosa. À noite tive de repeti-la, já que uma parte da família não tinha vindo no mesmo vôo e portanto, não ouvido a história.

Depois veio a sugestão de que eu a escrevesse, para que as gerações futuras e aqueles que ainda não a conhecessem pudessem desfrutar dela.

Quando a Maíra teve a idéia do blog, resolvi postá-la aqui, porque acho que se encaixa perfeitamente com o contexto:

Em 2002, a agência do Banco do Brasil em Itajubá completou 50 anos de fundação. Exatamente minha idade. Nasci lá, em 1952.

Inauguração da agência do Banco do Brasil em Itajubá, em 1952. Ao lado direito do Anthenor, de terno escuro, está o Dr. Vicente Vilela Viana (médico que colocou no mundo Siomara, Ester e Arnoldo).

A agência preparou uma festa para comemorar o aniversário e meu pai, na condição de fundador da agência, foi o convidado especial. Fui e voltei dirigindo o carro para ele, já que ele não dirigia mais há alguns anos, devido à idade e à quase cegueira, que o impossibilitava de dirigir e ler, coisa que o incomodava bastante, leitor ávido que sempre foi.

Na viagem de volta, pôs-se a contar suas experiências naquela região, com riqueza de detalhes e lembranças:

Na região, àquela época, só existia o Banco de Itajubá, que supria, muito sofrivelmente, as necessidades de crédito e outros benefícios que um banco pode oferecer.

A intenção do Banco do Brasil era de entrar com agressividade, oferecendo empréstimo rural, para incentivar a agricultura e consequente crescimento do povo.

Meu pai contratou um motorista* e percorria aquelas terras, sem nada agendado previamente, visitando sítios, fazendas, conversando com os agricultores, pobres ou ricos, explicando as intenções do Banco, ganhando-lhes a confiança, algumas vezes com muita dificuldade, porque a desconfiança do mineiro é algo muito conhecido até nos dias de hoje.

Foi assim que ele ficou sabendo do Barão, que possuía, no município de Carmo de Minas, uma fazenda enorme, com grande potencial de se tornar um excelente cliente.

E assim, saiu cedo de Itajubá, parando aqui e ali em alguns sítios, pretendendo chegar cedo à fazenda e voltar para casa a tempo de almoçar.

Só não contava com um alagamento na estrada, que atrasou seus planos, só chegando à fazenda do Barão lá pelas 2 da tarde, morrendo de fome e cansaço.

– Eu era magro, mas tinha um apetite enorme, minha filha. Comia como um condenado.

O homem o recebeu meio ressabiado, mas o convidou para entrar. Sério, de poucas palavras, sua figura correspondia exatamente às descrições que meu pai havia recebido.

Patriarca convicto, sizudo, tinha também 13 filhos, que, à medida que iam casando, mandava construir uma casa dentro de suas terras e assim mantinha todos à rede curta.

As refeições eram feitas na Casa Grande, com a presença de todos os filhos e somente os homens à mesa. As mulheres e crianças ficavam recolhidas à cozinha, como convinha aos costumes do Patriarca.

Meu pai começou explicando as intenções do Banco e pouco a pouco sentiu que o Barão ia cedendo aos seus argumentos. Sentia-se perfeitamente seguro ao expor os planos do Banco. Seu receio era somente que o Barão escutasse o ronco de seu estômago vazio e cheio de fome.

Lá pelas 3 horas, eis que é servida a merenda e os olhos de meu pai se encheram com a visão da mesa farta, cheia de quitandas e pães e queijos caseiros, além de compotas e geléias. Atacou tudo aquilo com tal voracidade que, ante o olhar espantado do Barão, foi obrigado a confessar que tinha perdido o almoço e estava varado de fome.

Este então, certamente vencido pela franqueza da visita, convidou-o para almoçar um dia e que levasse a esposa, ao que meu pai respondeu que aceitava o convite com prazer, mas com uma condição: que a Sra. Baronesa participasse também da refeição.

-Eu era muito atrevido, minha filha! Veja se isso era exigência que se fizesse a um homem tão austero, que tinha acabado de conhecer e ainda mais um Barão!

E assim foi feito e surgiu então a partir daí um relacionamento baseado em confiança mútua.

Foi instalada uma linha telefônica entre o Banco e a fazenda e toda vez que o Barão necessitava de recursos, ou caixa para pagar os empregados, bastava ligar e o dinheiro era enviado através de um mensageiro, ou meu pai o levava pessoalmente.

Anos depois, o Banco limitou a linha de crédito a um valor pequeno para cada agricultor, que nem de longe supriria as necessidades do Barão para comprar as sementes necessárias para sua plantação.

Meu pai viu-se num dilema, porque isso poderia significar o fim de uma relação harmoniosa, a muito custo conquistada e à provável evasão de uma conta importante do Banco.

Foi pessoalmente à fazenda conversar com o Barão com uma ideia, mais uma vez nas palavras dele, “atrevida”, mas que achava, ia resolver o impasse.

Propôs ao  Barão que dividisse as terras entre os filhos, tornando cada um um proprietário, podendo então abrir uma linha de crédito para cada um deles, o que seria o bastante e ainda sobraria, para bancar toda a plantação e colheita.

O Barão pensou um tempo  e acabou concordando, mas declarou não ter recurso para lavrar as escrituras, ao que meu pai respondeu:

– Pois faremos um “papagaio” (para quem não sabe, desconto de notas promissórias) e com a venda da colheita, o senhor terá recurso necessário para pagar tudo.

Os filhos do Barão foram os que mais gostaram da solução, pois viram-se donos de uma terra que acreditavam só teriam direito após a morte do pai.

Em 1960, meu pai foi nomeado gerente da agência de São Caetano e mudamos todos para São Paulo. Foi depois gerente de Santo André, São Bernardo e finalmente Luz, onde se aposentou.

Vários anos depois de ter saído de Itajubá, foi passar uma Semana Santa com minha mãe e mais um casal de amigos, Sr. Walter Real, também  do Banco do Brasil e D. Lucy, sua esposa, em São Lourenço, no sul de Minas.

Na sexta-feira pela manhã, as mulheres queriam fazer compras, mas papai teve outra idéia. Disse ao amigo:

– Walter, vamos deixar as mulheres aqui e vamos percorrer essas estradas, que eu conheço como a palma da minha mão.

Saíram de carro e foram dar em Carmo de Minas, onde a procissão estava começando a sair da igreja e avançando pela rua.

Meu pai, que estava na direção, foi seguindo bem devagar, mas notou que as pessoas olhavam para trás e começaram a cochichar, até que os que estavam à frente se voltaram e foram até o carro, fazendo-o parar e gritando:

– Seu Anthenor, seu Anthenor! Há quanto tempo!

Eram os filhos do Barão, os filhos destes e toda a parentada. Fizeram o carro parar, tiraram meu pai e seu Walter lá de dentro e foram até a praça conversar e saber e contar as novidades.

Levaram os dois para almoçar e só os deixaram ir embora à tarde.

Já de volta, dentro do carro, seu Walter começou a rir, a rir cada vez mais e ante o espanto do meu pai, ele falou:

– Eu tinha de viver para ver isso: o Farias acabar com uma procissão em pleno estado de Minas Gerais, o Estado mais carola do Brasil!

*Não poderia deixar de ressaltar aqui um detalhe sobre o motorista, contratado por papai. Ele era conhecido como Brejeco, um sujeito simples, caipirão mesmo e, ao ser indagado de onde havia surgido esse apelido tão pitoresco, explicou a meu pai:

“- O primeiro carro que comprei era feio, velho, quase caindo aos pedaços e pior, sem freios. Levei meu pai para um passeio exibindo o carro para ele, mas na primeira ladeira de paralelepípedos o freio não funcionou e o carro disparou ladeira abaixo. Meu pai, apavorado, começou a gritar:

– Brejeca, meu filho, brejeca!!

De tanto contar essa história, o povo passou a me chamar de Brejeco.”

Impagável!