Fotografias recentes

Alguns primos postaram fotos deliciosas da nossa matriarca em redes sociais.

Aqui estão algumas delas.

Por Nadine Farias

Por Nadine Farias

Por Neili Farias

Por Neili Farias

por Leticia Dos Reis Farias

por Leticia Dos Reis Farias

para não perder o costume

Sim, eu sei que o blog está parado. Depois de dias seguidos com posts, ficamos sem material para publicar. D. Fernandina continua produzindo, mas sem pressa. O jeito é respeitar seu ritmo que logo logo teremos histórias novas.

Para não ficarmos saudosos, publico algumas fotografias da família. Só para não perder o costume.

Memórias da Vovó Dina – Sanatório Hugo Werneck

Saí de casa para fazer umas compras e encontrei o carteiro. Nosso conhecido, perguntei ao simpático rapaz se não havia algo para mim. Ele disse que sim e entregou-me uma carta que não era do meu marido. Remetente: Guiomar Berenger. Não sabia quem era. E ali mesmo, abri a carta. Continuei andando, lendo a carta e chorando. Não sei como não tropecei. A carta dizia:

“Conversei com Dr. Orlando, médico de Anthenor, para saber realmente o estado dele”. (Guiomar estava no sanatório acompanhando o marido e, por sinal, eram vizinhos de quarto). A resposta do médico foi esta: – ‘D. Guiomar, a doença maior do Anthenor é a falta enorme que ele sente da família’.”

Cheguei no escritório onde trabalhava meu pai e entreguei a carta para que ele lesse. Leu-a com bastante atenção e voltando-se para mim, disse:

– Se é assim, prepare-se para viajar.

Foi uma revolução. Nunca tinha viajado de avião, mas se a gente for pensar naquilo que precisa fazer pela primeira vez, o medo supera a necessidade, não é mesmo?

Tive que fazer compras em roupa, costurar, planejar, etc, etc, etc. Não lembro quanto tempo levei até tudo estar pronto. O velho Fernando foi quem providenciou tudo.

Meus filhos ficaram com tia Haydée e tia Ester.

documento de Anthenor

Não participei ao meu marido que iria ficar com ele, quanto tempo, meu Deus?

O avião teria que pousar no Rio. Não havia vôo direto para Belo Horizonte. Iria para casa do Saulo Costa, um colega do Banco do Brasil que foi requisitado para receber-me no aeroporto. Ninguém me conhecia. Deve ter havido correspondência entre meu pai e Anthenor. Só sei que foi tudo facilitado para a “donzela” viajar. Desci no Rio e foi aí que me lembrei que não havia trazido nenhum endereço ou roteiro para guiar-me. Papai havia me dito que alguém ia esperar-me, mas quem?

Fiquei na sala de saída dos passageiros, em pé com os mesmos, indo para embarcarem e eu como se fosse, como ia realmente entrar.

De repente ouvi alguém me chamar, era o Saulo com a mulher. O alívio que senti foi enorme. Até hoje os abençôo por isso.

No dia seguinte voltei ao avião. Não sei se era o mesmo. E de lá para Belo Horizonte, não enjoei (na véspera só não coloquei as tripas para fora, porque elas não ficam no estômago).

Baixou o avião, desceu todo mundo e a marinheira de primeira viagem, não se lembrou de ir também de ônibus como os outros. Esperando o quê? Quando alguém da sala de espera perguntou-me se queria um táxi.

Lá fui eu até a capital de mala e cuia ao encontro do meu bem querer.

O carro parou na Agência e se aproximou um homem todo paramentado, só não de chapéu. Uma pessoa completamente estranha para mim. O meu marido estava gordo, quase careca e de bigode! Só o reconheci quando deu o maior sorriso de felicidade!

No mesmo táxi fomos para o sanatório. Quando tempo levamos, não me perguntem. Estávamos tão enlevados que parecia que o tempo não existia.

A vida no Sanatório era uma rotina só. Os visitantes, quero dizer, os acompanhantes iam para o refeitório. Era um salão enorme cheio de mesas para quatro pessoas. Sentávamos nós três em uma mesa: Guiomar, Zilá e eu. Almoço e jantar a mesma coisa. Muitos internos iam para o refeitório. O Anthenor não. Ainda estava de repouso absoluto. O repouso era tão grande que fiquei logo grávida nos primeiros encontros. Não posso lhes dizer o quanto fiquei envergonhada com o sucedido. Fui até ao médico para ver se era engano. Quis enganar a mim mesma.

Na hora do repouso, das 3 às 4 da tarde, tínhamos que fazer silêncio. Muitos iam para o salão destinado para isso. Outros iam para passear. Não sei, nunca perguntei aonde iam.

Lá conheci Marinho, Edgar Falcão, Margarida e sua irmã Madalena ou Lena, d. Anita e a filha doente Nazaré, os irmãos gêmeos Bruno e Breno, Valdir Pires e mais outros que me falha a memória.

Esses dois irmãos, a Irmã, que era responsável por aquele andar e pela tranquilidade dos doentes, colocou-os no mesmo quarto. Pra que? Um dia os dois se engalfinharam e se ela não chega para separá-los, o negócio teria sido bem pior. Não se soube a razão da briga. A Irmã colocou cada um em um quarto, para haver paz e harmonia.

O tratamento do meu querido não estava tendo a melhora que o médico esperava. Então o resultado seria a toracoplastia*, a operação mais brutal que se possa imaginar. E no dia dos reis, 6 de janeiro de 1946, o Anthenor operou.

Os nossos primos que moravam em Belo Horizonte, a Chiquinha e o marido que trabalhavam no mercado com frutas, forneciam às mãos cheias, abacaxis, mangas, goiabas, maracujás, laranjas e tudo que a amizade deles ditasse para nos favorecer.

E transformavam tudo isso em sucos para alegria do meu marido.

O médico, dr. Orlando, disse que nunca um doente ali havia tido uma tão boa recuperação. Eu deixava muito suco para ele tomar na madrugada.

Uma noite eu dormi demais e quem deu o suco foi o Sr. Wenceslau, o enfermeiro mais dedicado que um doente pode ter. Um alemão alto, mais para gordo, simpático como ele só. Servia aos doentes de todo o sanatório.

Em fevereiro voltei para Maceió. Não podia demorar mais. Não tinha como parir lá. Estive 7 meses em Belo Horizonte. Em maio, no dia 2, nascia Flavio Alberoni. Em setembro voltava curado o nosso querido Anthenor.

Fomos para União, devido o clima ameno de lá. Então mais uma gravidez. Voltamos em janeiro e como o Anthenor não suportava o clima muito quente, fomos para Ouro Fino em Minas Gerais.

*toracoplastia: Ressecção parcial ou total de várias costelas, a fim de provocar o colapso do pulmão por retracção da parede torácica.

Viagem no navio Rosa da Fonseca – parte 10

Saímos de Manaus às 24 horas do dia 19. Já estamos em águas do Rio Pará desde ontem às 7h30 da noite quando alcançamos Santarém, a cidade que divide os dois mundos – Pará e Amazonas. Estamos agora atravessando o Estreito de Buioçú que no seu início tem o nome de Furo dos Limões. No estreito serão 6 horas de boa navegação. Chegaremos em Belém lá pelas 3 horas da madrugada e sairemos às 15.

Tomara encontrar lá a cabeça de índio que a Regina pediu. Em Manaus não encontrei. Aonde nos informaram, tinham vendido aos padres, na véspera, cerca de 600 peças.

Encontrei a cabeça do índio da Regina em Belém. Estivemos no museu Emílio Goeldi, pena que aquilo esteja um pouco abandonado. As onças estão magras, tristes, sem vida. Onde vivem as antas tem lama e mau cheiro. Vi cinco sucuris. Para “utilidade” delas, creio que já tem demais. Gaviões de coleira branca e comuns, urubu re, araras grandes e pequenas, pássaros de toda a espécie, empalhados ou não. Bichos de pelo de todos os tamanhos e raças. Pedras preciosas. Trabalhos de índios, atuais e pré-históricos. Sei lá mais! Não dá para descrever vendo, quanto mais de memória.

A paciência dos homens, em especial do falecido criador do Museu, é de estarrecer. Calculem os grandes museus! As plantas, árvores gigantescas. Numa grande árvore, fiquei perdida no seu tronco para tirar o retrato. E mais coisas que a minha cabeça não dá para lembrar.

O navio está balançando outra vez. Desde ontem que saiu do rio e está navegando no mar.

Igreja do Carmo, centro de Fortaleza, década de 70

Chegamos em Fortaleza. Duas horas para descer, dar uma corridinha até a cidade e voltar. A escada quebrou, uma senhora caiu de cima. Não sei como não fez um estrago maior. Oh! Agonia louca! Almoçamos à 1 hora e o navio também saiu do porto na mesma hora.

Ontem de noite houve uma festa de despedida dos cearenses que também estavam em excursão. A recepcionista Herotildes é quem organiza tudo. Houve concurso de beleza – foi eleita uma pernambucana, Maria Helena Monteiro. Das que estavam aqui, era a melhor. Uma sra. do Ceará fez a letra e a música de um frevo para a despedida. Cantaram, recitaram, a orquestra de bordo, aliás muito boa, tocou muito e foi tudo muito animado e divertido. Nós viemos para o quarto era meia noite e a festa ainda ficou rolando lá em cima. Hoje não fomos ver o bingo. Ficamos conversando com mais três casais. Dois de Joinville e um de Curitiba. Aqui tem até norte-americanos. Tem um casal com cinco filhos, outro com dois e saltou um pastor, que veio de Manaus com a família passar as férias em Fortaleza.

É assim o nosso Brasil! Tem de tudo!

(fim das postagens de Minhas Viagens)

Viagem no navio Rosa da Fonseca – parte 8


Manaus na década de 60

Dia 16 de junho de 1969

Passamos a cidade de Óbidos hoje cedo e agora cerca das 6 horas, a cidade de Itacoatiana. Chegaremos a Manaus lá pelas 2 da madrugada.

Chegamos e saímos. Quem não conhece Manaus tem a exata impressão de que a cidade é feia acanhada, sem atrativo nenhum. É justamente ao contrário. Todas as praças são ajardinadas, decoradas com estátuas, obeliscos, fontes, bancos. Algumas, muito grandes (duas ou três), têm coreto ou um barzinho para lanches. A praça da Matriz é enorme. A praça mais nova é a da Bola (tem um nome ilustre decorando-a, mas só é conhecida por Praça da Bola pelo seu estilo em forma de esfera), é pequena em relação as outras, mas é muito bonita e agradável com a sua fonte decorativa. Ruas largas, avenidas bem amplas. Tudo muito simpático – como de um modo geral é o amazonense.

Quando saltamos, fomos diretos em casa do Sr. Tomé, pai do Luiz. A alegria da recepção valeu a caminhada que fiz até o meio do caminho. Sim, porque na metade, o seu pai resolveu chamar um taxi. Eu já estava me recusando a andar mais. Não eram ainda 8 da manhã e estava um calor de mês de fevereiro aí em São Paulo. Eles estavam esperando o motorista chegar para ir com as duas filhas moças nos esperar no cais, mas nós chegamos primeiro. O carro (eles têm taxi na praça) ficou à nossa disposição durante os dois dias que passamos em Manaus.

O nosso primeiro passeio foi a Ponta Negra. Chama-se assim por ser uma ponta de terra que avança sobre o rio Negro e forma uma praia que em formato imita Copacabana. O rio está cheio, não deu para vermos direito. Diz que aquilo em fim de semana fica cheio. É muito agradável e é um verdadeiro oasis para tanto calor e sol. Fica há 18 ou 20 Km de Manaus. Lá tem um bar-restaurante e mesas com guarda-chuva de palha espalhados pela beira da praia. O impressionante da história toda é que o rio é Negro mesmo. A água ao tocar as pedras na formação das ondas dá a impressão que derramara toda a produção de coca-cola do mundo.

O teatro de Manaus é magnífico embora um pouco maltratado pelo tempo. Tão maltratado quanto o de Belém. No salão nobre do teatro tem pintado no teto uma cena da mitologia com Minerva. O interessante é que de qualquer lado que você esteja dá a nítida impressão que Minerva está nos observando. Lindo, lindo! Só tem um porém para mim: o Teatro da Paz em Belém é mais alegre, o de Manaus é triste por sãs pinturas onde predominam as cores escuras. Essa primeira parte do passeio fizemos com Maria dos Anjos e Margarida – irmãs do Luiz.

Não são moças bonitas, especialmente a mais das duas, dos Anjos. A Margarida deve ter seus 19 anos. É a mais expansiva das duas. A dos Anjos não fala muito e nos dá a impressão de amargura ou tristeza. O que talvez seja apenas timidez.

Fomos tratados como príncipes. Não sei de que país, mas é mesmo assim. Visitamos um dos Balneários (tem vários). Eles aproveitam um igarapé (corrente de água que foge, ou se desgarra do seu mestre e senhor, o rio) e formam um conjunto residencial. São simples bangalôs e têm mesmo casas boas e grandes e ali passam fins de semana ou mesmo férias. Visitamos o Guanabara. Eles aproveitam os igarapés até para fazer banhos públicos.

Almoçamos na terça-feira (17) no melhor restaurante da cidade: Alvorada. Não é central, mas é agradável e se quiser tem um aposento com ar refrigerado.

Jantamos com o Sr. Lourival (pai do Lourival, lembram-se dele?). O convite feito pelo velho senhor e os filhos com suas esposas mineiras de Itajubá. A mulher do Lourival, não lembro dela. Era muito amiga da Marli – Ana Lucia. Tem um apelido, não lembro qual. Não achei que haja muita paz entre os dois. Ela se trancou um pouco e não procura mais as primas (no caso, as irmãs do Luiz) e vive muito isolada. O Lourival por sua vez, gordo como um porco, só pensa em dormir. O outro, Roberto, não me lembro nada dele e muito menos dela. Muito simpática, miúca, engraçadinha. Soube captar a simpatia dos parentes e é bem mais feliz que a outra.

Foi uma noite bem agradável. A gente se sente sempre bem quando é bem recebido onde quer que vá. O interessante é que de todos os que sabemos dos passageiros, nós somos os únicos a quem os amigos esperam – isto é, temos amigos em cada porto. Os outros têm parentes esperando. Os amigos, quando não estão presente (Belém foi assim), fazemos amigos e os deixamos certos que são gente boa, agradável.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minhas Viagens)

*a fotografia faz parte da edição especial Retrato do Brasil, da Revista Manchete, de 1968.

Viagem no navio Rosa da Fonseca – parte 6

Dia 12 de junho de 1969

Faltam 20 minutos para as 6h. Ainda não anoiteceu, o que é fácil ver aqui no Norte. Desde cedo que estamos em águas paraenses. Chegaremos ao porto lá pelas 22h. O calor é bravo e eu não trouxe um vestido de linho. Acabei de por de molho em água de sabão o de jérsei. Estava muito suado e o jérsei suado tem um cheiro horrível. Eu vou subir agora. O ar refrigerado do navio nos alivia um pouco da temperatura de fora e por isso vou ficar no salão de leitura até a hora do jantar. Seu pai já tomou três banhos até agora. Até logo.

Dia 13 de junho de 1969

Belém na década de 60.

23h – O navio saiu às 10h não sei se por ter passado mais tempo em Belém do que em Fortaleza, o fato é que Belém me encantou.

Quem não a vê, não pode fazer uma idéia do que seja aquilo. É grande, bonita e alegre. Mesmo as ruas estreitas de Belém velho e as ruas sujas do cais e proximidades, simpatizamos  são enormes e agradáveis. Muito bem delineadas e cuidadas. Em todas elas existem belos monumentos históricos – mas, vamos ao princípio.

Chegamos à noite e demos uma volta atrás de sorvete (a falha que não existe em Fortaleza – em Belém não existe uma boa e agradável sorveteria). Em Fortaleza em qualquer ponto da cidade tem boas, pequenas, mas agradáveis. Em Recife também tem agradáveis sorveterias. Em Belém só têm em ruas estreitas e de pouco movimento. No centro tem um em caixas como Kibon, fabricação da casa, que vendem nas ruas ou nos bares e restaurantes. São todos bem batidos e de fruta mesmo. Não encontrando o que queríamos, fizemos outro lanche no próprio cais, na entrada para a cidade, onde tem um monumento à Antonio Teixeira, fidalgo português (pelo menos a roupa o indica), muito elegante, com o seu chapéu de plumas (vou procurar saber o que ele fez para dizer).

Depois se inicia a cidade propriamente dita com o cruzamento de duas avenidas: Presidente Vargas e Castilho França. As mangueiras que enfeitam, na minha opinião,  enfeiam  a cidade,  algumas têm mais de cem anos. Algumas carregam tanto que quebram galhos e às vezes a própria árvore.

Na Avenida Presidente Vargas está a maior parte dos bancos, os correios, casas de comércio, restaurantes e bares. A Praça da Republica é imensa, sombria. Tem um monumento à Republica muito bonito. Fomos à casa do Sr. Bensadon, muito simples e de uma simpatia extrema. Vivem três famílias em uma só residência. Todos centralizados por d. Sol. Ele, os filhos casados têm ao todo nove filhos. Já imaginaram esse povo todo recolhido, conversando, gritando (as crianças), teimando… coitada da velha senhora. Não é à toa que se chama Sol (a acolhida é total).

Fizemos lá uma refeição e nos convidaram para voltar, almoçarmos com eles.

Na volta eu não quis, não sei porque, descer. Estávamos cansados. A viagem foi muito agradável, é verdade, mas o sobe e desce cansava e cansamos muito.

Arrependo-me até hoje da grosseria. Tenho pra mim que eles estavam nos esperando para também mandar alguma lembrança aos parentes. A verdade é que Sr. Bensadon se afastou de nós.

Houve um fato interessante com a família desse senhor. Ele tinha uma filha chamada Ester, a mais velha que estava noiva de um primo. Eram judeus e o noivo também. Vocês sabem que judeu só se casa na sua grei.

O casamento foi muito bonito, com recepção e tudo mais.

Quando já estavam casados há uns dois meses, o pai foi visitar a filha e encontrou-a chorando. Grávida já, disse ao pai, que ficou preocupado ao ver as lágrimas da filha, que era devido ao estado que se encontrava. Não sei se o pobre homem acreditou. Passados alguns dias, voltou em visita a Ester. O quadro era o mesmo. Ele forçou-a a contar e ela chorando mais ainda, confessou que o abençoado marido a espancava.

Imediatamente mandou a filha pegar tudo que era dela e a trouxe de volta ao lar onde nunca devia ter saído. Lá deu a luz a uma menina.

Não tivemos mais notícias deles.

O Sr. Bensadon era fiscal do Banco do Brasil e por isso sei deste drama todo.

Uma ocasião ele chegou à nossa casa cansadíssimo. Morava longe de nós e veio a pé até ali. Os judeus têm o dia do perdão e isso parece ser a celebração e que levam muito a sério.

Eu perguntei a ele se tinha perdoado ao filho que havia casado com uma cristã. Ele praticamente não me deu nenhuma resposta.

Era uma boa alma o nosso amigo Bensadon.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minhas Viagens)

*a fotografia dessa postagem faz parte da edição especial Retrato do Brasil, da Revista Manchete, de 1968.

Viagem no navio Rosa da Fonseca – parte 5

Dia 10 de junho de 1969 – 4h da tarde

Vista aérea do litoral de Fortaleza (1971)

Fortaleza é uma bela cidade. Tivemos umas 3 horas corridas para visitá-la. Procuramos o Péricles e ele nos levou para ver uma porção de lugares. Muito plana e é bem menos quente que Recife. Bonitas avenidas e muito arborizada. Uma brisa constante corre na cidade entre os meses de agosto ou setembro até fevereiro ou março que é quando começam as chuvas, que são os meses mais quentes. Como a terra não tem umidade, a água de côco, por exemplo, não é tão doce quanto à de Recife.

Muito linda a Reitoria da Faculdade de Direito. Tiramos lá algumas fotos que darão para se ter uma idéia da beleza. Aquilo é imenso, tem muitas árvores frutíferas e ornamentais. Pátios, colunas, terraços e jardins. Um auditório ao ar livre, com acústica, imenso. As residências são o que têm de mais fino. Os bairros residenciais do Recife são muito bonitos e agradáveis, mas em Fortaleza, as residências são mais, como direi? Imponentes! Isso mesmo, grandes, imensas mansões – dentro de muro e jardins dão uma impressão de riqueza, que é justamente aquilo que o cearense quer. Porque, diz o Péricles, o cearense é pobre.   

Conta-se pouca riqueza realmente grande. A tenacidade do cearense é que o faz, vencedor em toda a linha. Quer em sua casa – Ceará – ou na casa alheia – o mundo. Tomamos um gostosíssimo sorvete de graviola ou croaçá, como queira.

Pena que o tempo não deu para visitar mais nada. Estivemos no Clube Náutico. Simplesmente belo. É imenso e acolhedor. Agradável de ver. Está completando 40 anos de existência e terão uma semana de festejos.

Clube Líbano Brasileiro (1956)

Muito bonito também é o Clube Líbano Brasileiro. Na entrada de chão e paredes de mármore branco estriado de preto, tem duas meias paredes ladeando uma linda escadaria em metal branco – duas meias paredes – em espelho de cristal que parece contos de fadas. Encerramos o nosso passeio em casa do simpático casal Péricles e sra. Chupamos uma bela e gostosa cana, descascada por ele que nos trouxe depois para o bem arrumado cais de Fortaleza. Quem não gostou da cana foi a Ligia. Ela que come de tudo não suporta cana, pois sente arrepios. Muita pinha, sapoti, roupa, chapéus, bolsas e redes. Teve até quem comesse tapioca no mercado (a Leda e a mãe). Tudo em quantidade para satisfazer e explorar qualquer um. Não compramos nada. Estamos guardando as economias para Manaus. A Luiza e o Sr. Emidyo compraram cajá, mas não gostaram de comê-lo, pois aquilo, como eu já havia lhes dito, tem pouca polpa. Vão levar à noite para fazer suco no jantar. O garçom, o Domenico, se vê velho conosco.

Tanto rezei, tanto implorei e incomodei aos nossos amigos espirituais, que o enjôo passou. Remédio material não curou, reza sim. Mais vale a fé e a confiança.

Por agora nada tenho a contar. Só que converso, leio, vou ao convés, venho ao quarto, escrevo, tomo café às 7h, almoço ao meio dia e janto às 19h. Ontem variou um pouco: chegamos ao navio pouco antes das 8h e como o Péricles ficou no cais, o Anthenor não desceu. Eu vim à cabine, lavei as mãos e subi. Ele ficou com a chave e insistiu para que viesse jantar. Ainda estavam à mesa a Luiza e o Sr Emidyo. Fiquei remanchando até que às 8:30 h chegou seu pai que já havia até tomado banho. Depois do jantar fomos dar uma volta nos salões e descemos à proa e ficamos vendo as luzes da cidade que se afastava.

São 3h15 do dia 11 e já estamos em águas do Piauí. Chegaremos provavelmente, às 22 h de amanhã em Belém. Se a maré deixar.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minhas Viagens)

*as fotografias dessa postagem foram pesquisadas na internet.

almoço de família

da esquerda para a direita: Alberoni, Percival, Shirley, Ariel, Failde (com Ester no colo), Haydée, Aroni, Anthenor (com Arnoldo no colo e Anajas atrás), Fernandina (com Agnaldo no colo), Siomara, José Calheiros e Beca, sua esposa, Araken, Regina e Rodrigo.

Fotos como essa da mesa de jantar são mais raras nos álbuns de família de antigamente, no entanto eu adoro, pois revelam mais sobre os costumes, o cotidiano da casa, detalhes de objetos de decoração situam a época em que o retrato foi feito. Essa fotografia foi feita em 1959 e a Aroni já fazia parte da casa.

Bem diferentes das fotos posadas em estúdio, que são belas porém mais comportadas, pouco se diferem dos comuns retratos de família feitos ao longo da história da fotografia. Esse retrato da família completa, com os treze filhos, foi feito em Itajubá, em 1956.

Em pé: Araken, Anthenor, Ariel, Fernandina com Arnoldo ao colo e Percival. Sentados: Regina, Rodrigo, Anajas, Agnaldo, Siomara, Haydée, Ester com laço na cabeça, Alberoni e Failde.

Viagem no navio Rosa da Fonseca – parte 1

Fernandina e Anthenor

A tentação de escrever sobre esta viagem, inédita para mim, é muito grande, mas francamente, não sei se sairei bem da minha tarefa. Enfim, vamos ver como se sai a Fernandina.

Isto acontece no mês de junho de 1969.

Saímos de São Paulo, ou melhor, da porta de casa, às 15 horas da tarde, mais ou menos. Fomos encontrar com a Maria Antônia e de lá fomos à costureira buscar meu vestido onde se encontrava o abençoado por terminar. Mesmo assim o trouxemos. Quem sabe a coragem dará para acabá-lo aqui, no navio!

Atingimos a Dutra às 16h30 e logo depois o pneu traseiro estourou. Felizmente, apesar das aparências, ainda existe gente cortês neste mundo de meu Deus. Um carro vermelho que passava com dois moços, um deles nos avisou do que ocorria. Demoramos 20 minutos na troca do pneu e mais 20 depois para consertá-lo. Isso para nós era contratempo sério, pois contávamos chegar ao Rio no máximo às 19h30. Chegamos às 22h30. Paramos ainda na lanchonete do Club dos 500 (Via Dutra) para tomarmos um lanche por volta das 18h30. Comemos um gostoso bauru quente com guaraná gelada (isso é para fazer inveja às minhas filhas).

Ficamos no Hotel São Francisco. Enquanto o Anthenor e o Carlinhos iam levar o carro em casa do Sr. Real, eu fiquei para tomar banho e me preparar para jantar.

E quem disse que fui jantar? Deitei e dormi! Deu o que fazer para atender à porta quando o seu pai chegou.

Ele disse que já estava desistindo de bater. Não fomos jantar.

Pela manhã saímos. Ele foi ao banco e sua “banda de bolsa”, também, é claro. Meia hora depois fomos à Rua da Quitanda comprar um saco de viagem e uma espécie de saco e frasqueira para mim. Esquecemos de comprar o boné e mais não sei o quê que ele queria. Voltamos ao banco. Mais meia hora. Fomos ao hotel pegar a sacola com coisas que queríamos deixar na Genny.  Fomos de táxi. Nessa altura já era tarde pra burro. Fomos tomar o elevador – não parava no terceiro andar. Subimos e descemos no infeliz e nada – aliás, aqui para nós, aqueles elevadores são uma vergonha. Já deviam ter sido consertados há muito tempo.

Tomamos o elevador de serviço. Chegamos na Genny eram 11h30 e estava de saída para o trabalho. Mocinha e Janise tinham ido a um casamento de uma parenta. Ô gente para ter parente! Essa prima brigou com a Célia (o que não é para admirar) e deixou de ir lá em casa delas. Então, para o papelão não ficar mais feio e tapar o buraco moral deixado pela Célia, elas decidiram ir ao casamento da dita cuja. O negócio é meio complicado, mas é assim mesmo como escrevi.

Saímos com Genny e fomos ao Catete procurar o incrível boné. Atrasamos a coitada e não encontramos nem o Golias para que pudéssemos tirar o dele. Nessas alturas dos acontecimentos, eu já estava com os pés em petição de miséria. Metida a grã-fina, a andar feito má notícia, para lá e para cá… façam uma idéia da força que eu estava fazendo para não andar só de meias naquele sujíssimo e esburacado Catete. Nada feito com relação ao malvado boné. Aquele não apareceria nem com varinha mágica. Fomos almoçar na Churrascaria Gaúcha. Comemos um churrasco daqueles! Sobremesa: morangos frescos (meio frescos, diga-se de passagem) com chantilly. Voltamos ao apartamento para buscar as bolsas que lá haviam ficado. A Genny tinha nos dado a chave, caso a Mocinha não houvesse chegado, mas estavam as duas. Mocinha estava cuidando do almoço e Janise varrendo a casa.

Saímos de lá às 13h10 mais ou menos. Pegamos um táxi e rumamos para o Hotel em busca das duas malas que deixamos lá. Chegamos ao cais às 13h50. Deixamos a bagagem no quarto ou cabine, como queiram chamar e subimos ao convés onde já estavam nos esperando a Lucy e o Sr. Real. Estava também um senhor que não conhecíamos que me entregou um ramo de rosas vermelhas (que por sinal tivemos que colocá-las, eu e Lucy, dentro da lata de lixo por não haver vaso de flores) e ao Anthenor um litro de Scotch Ambassador. Foram presentes do Dr. Cabrera e seu sócio.

Apesar do nome Cabrera, o homem é formidável! O Sr. Real e o Anthenor brindaram à nossa viagem. Às 14h30 descem os visitantes e amigos dos passageiros e o navio se prepara para sair às 15h. Começa então, uns 15 minutos antes, a jogarem serpentinas para os amigos que se encontram no indecente cais do Rio de Janeiro. As serpentinas são oferecidas aos passageiros e fica um lindo trançado colorido que dá um ar belo e festivo às despedidas. Uma pequena orquestra, do nosso lado, começou a tocar “Cidade Maravilhosa” e um dos visitantes, lá no cais, começou a dançar sozinho ao som do bonito samba.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minhas Viagens)

Meu encontro com o MAR – por Osmar Jatobá

Anthenor e Sr. Ernesto, grande amigo, pai de Osmar.

Osmar Jatobá era um dos filhos de Ernesto Jatobá e D. Adalzinda (vulgo Dadá).

Sr. Ernesto trabalhou com meu avô Fernando, na fábrica de curtume em Viçosa(AL). Tinha já dois filhos Wilson e Osmar. Depois vieram Wilmar, Maria José, ou Zeza e Everaldo.

Zeza tornou-se aeromoça e quando ia nos visitar, entre viagens, enchia-nos a vista, com seu uniforme, e principalmente seu casquete, o que nos fazia sonhar em nos tornarmos também aeromoças, quando crescêssemos.

Sr. Ernesto tornou-se depois grande amigo de meu pai, que o chamava carinhosamente de Compadre.

Osmar era bem mais novo que papai, cerca de 9 anos e entrou para o Banco do Brasil como contínuo, a convite de papai, em Itajubá, onde mais tarde casou-se com Ana Maria, filha de um fazendeiro e tiveram 3 filhas Wania, Waleska e Walquiria.

Quando papai transferido para São Caetano, mudou-se também para lá e mais tarde, foi para Brasília e mais recentemente, voltou para Maceió, onde veio a falecer no ano passado.

Lembro dele com muito carinho. Era alegre, espirituoso, gostava de cantar, contar piadas. Quando vinha nos visitar a casa se enchia de alegria.

Em sua última viagem para Maceió, Anajas foi presenteada por ele, com este texto, que a meu ver, é uma pérola de sensibilidade e escrita.

Espero que gostem.

Meu encontro com o MAR – por Osmar Jatobá

Osmar Jatobá

Seu amigo Anthenor de Braga Farias estava em Viçosa a serviço do Banco do Brasil. Creio que adido, prestando algum serviço, em substituição a um colega de férias, ou coisa parecida. É claro que ele era nosso hóspede, pois foi e é, seu melhor amigo.

Aos sábados, na parte da tarde, viajava a Maceió para ver a família e o senhor providenciava uma condução para ele. Às vezes até no trem de carga; outras, de carona.

Em um sábado, não foi possível uma carona ou mesmo um trem de carga e o senhor conseguiu um carro, parece-me que do Zé Tenório do Bonito. O motorista era o Antonio Barruada. Anthenor sempre me prometia que eu iria conhecer Maceió para o ver o MAR, coisa com que sonhava muito, e minha paixão era entrar em contato com aquele montão d’água. Em mim brotou mais vontade e uma esperança de ficar perto de tanta água e experimentar se era realmente salgada, como o povo falava.

Wilmar, já estudando na capital do Estado, me contava coisas incríveis do Oceano Atlântico e outras coisas da capital, onde moravam o governador, o bispo, os deputados e muita gente importante. Eu tinha loucura de andar de bonde e ver o MAR. Cada dia que passava eu ficava mais e mais querendo descobrir coisas novas. De Viçosa a Maceió eram somente 90 quilômetros; para a época atual, um salto, todavia nos anos 40, uma viagem e tanto, cheia de atropelos: estradas ruins, muitas curvas e ainda mais a serra de Dois Irmãos, que era perigosíssima. Minha mãe sempre dizia quando se viajava pela serra: – Cuidado com a Serra dos dois Irmãos! Cuidado com a Serra!

Anthenor Farias já me havia prometido um passeio até a capital e eu ficava esperando por esse bendito dia. Queria mesmo era fazer inveja para muita gente. Wilmar não, já era conhecedor de tudo por lá e residia na rua 7 de Setembro, 116, atrás da praça Sinimbu que ficava próximo à praia e junto ao rio Salgadinho – cheio de cachorro morto e urubus rondando alguma carniça para comer.

Data marcada: um sábado chuvoso e já meio frio, estávamos no início do inverno. Antonio Barruada já nos aguardava com o Ford do Zé Tenório do Bonito. Acabamos de tomar o nosso café da manhã (bem cedo mesmo) e lotamos o Ford com macaxeira, inhame, espiga de milho para o cuzcuz, batata doce, banana, laranja lima e muita carne de boi comprada no açougue do seu Né Mata.

Partimos. Eu, alegre, sorridente e aguardando o momento espantoso de me relacionar com tanta água salgada. Olhando tudo que passava; roças, bois, galinhas, cachorros latidores e uma porção de gente por aquela estrada sinuosa. Saímos em direção ao Sabalangá. Ia olhando o Rio Paraíba no seu leito de pedras e curvas e ele sempre nos acompanhava. O senhor e seu amigo Anthenor iam no assento traseiro, eu fazia companhia ao Barruada que comandava o Ford do Zé Tenório.

Passamos pela Boa Sorte do Coronel Vilela (pai do Teotônio) e de lá rumamos em direção à Balança, que dava início à descida da Serra dos Dois Irmãos. Lembrei-me das recomendações de minha mãe: – Cuidado com a Serra!

A estrada estava com muita lama, com certeza havia chovido na noite anterior. De repente, o Ford começou a ratear e parou antes da serra. Antonio Barruada desceu do Ford e abriu o capuz, olhou, mexeu, tentou dar a partida na manivela e nada do bicho pegar. Minha aventura estava em perigo. Será que não era ainda o dia certo para eu me familiarizar com o Oceano Atlântico? Estava já ficando agoniado e com receio de perder aquela oportunidade. O carro do Zé Tenório do Bonito estava contra mim. Que fazer para se continuar a viagem até Maceió?

Subitamente apareceu na estrada, vindo da direção de Viçosa, um caminhão carregado de algodão, que seria uma oportunidade de dar continuidade à nossa viagem. O senhor, com sua sabedoria e jeito, conversou com o motorista conseguindo uma carona até a capital do Estado. O motorista disse: – Para o senhor e seu amigo tem lugar, pru menino não (o menino era eu). Tristeza, chateação – e a ilusão caiu por águas abaixo.

Não era ainda a minha vez de conhecer o Mar e nem a capital do Estado. Os bondes ficavam me esperando até não sei quando. O caminhão rumou pelo caminho levando o senhor e seu amigo e eu olhava com tristeza aquele sonho perdido. Para mim não haveria outra oportunidade, só aquela era a verdadeira. Com que cara eu ia chegar em casa vendo meu desejo frustrado? E a gozação dos que ficaram por lá querendo saber as notícias de meu encontro com o Oceano Atlântico? Como ia me comportar? A vontade era não voltar a casa para não ter de ouvir o “manga ele”. O senhor e seu amigo Anthenor continuaram a viagem. Nós, eu e o Barruada, estávamos ali tentando “arrumar” o Ford.

Recordo-me que o motorista, entrou numa venda, bebeu uma cachaça e trouxe dois litros da branquinha para o automóvel Ford Bigode. Ali mesmo, em frente à venda, deu de beber àquela máquina; pediu-me para apertar o acelerador e torceu várias vezes a manivela do carro. A resposta foi rápida, o bicho começou a trabalhar. Para casa, a distância era pouca e logo chegamos na Viçosa debaixo de chuva.

Espanto geral. Minha mãe perguntou-me o que havia acontecido. Narrei o ocorrido, ajudado pelas informações do Barruada. Àquela hora, o senhor e seu amigo já deveriam ter chegado e o MAR possivelmente sentiu a minha ausência.

Wilson, Zeza, Nega Tonha e até mesmo o veado do Zé Misericórdia, tiraram o sarro, mangando de mim. Manga dele! Manga dele! Ouvia a tudo e ficava calado. Foi a maior decepção de minha vida. Será que haveria outra oportunidade?

Segunda-feira, regressava à Viçosa seu amigo Anthenor. Riram de mim e seu amigo prometeu que no próximo sábado iríamos de trem. Ele até me disse: – Quero ver se o danado vai encrencar! Tudo bem, foi a semana mais longa de minha vida. Eu não conseguia dormir direito, tudo para mim se resumia no trem partindo para Maceió e eu chegando perto da praia e lá experimentava a água para verificar se era realmente salgada como o povo dizia.

Chegou o sábado, acordei de madrugada, mais ou menos às três da manhã e não consegui conciliar o sono. Sonhava acordado e já imaginava como era o Oceano Atlântico. Seria maior que o rio Paraíba? Certamente maior do que o açude lá de Mar Vermelho, arrodeado de lajedo e baronesas. Os mais velhos diziam que por ali corria lobisomem. As horas caminhavam com preguiça. Eu já estava agoniado; queria acordar todo mundo e ir imediatamente para a estação esperar o trem mesmo ali no escuro.

Ouço rumores. Alguém tosse, uma vela transmite luz, sinto cheiro do fósforo. Agora é real e os movimentos são mais acentuados. Renascem as esperanças, o dia começa a clarear, as estrelas se envergonham da claridade e fogem. A hora do trem chegar já está próxima; crio mais alegria, o barulho agora vem da cozinha. A Nega Tonha começa a ralar as espigas do milho zarolho para o cuscuz. Sinto cheiro da casca da laranja seca queimando para acender o carvão e logo teremos um farto café com cuscuz, macaxeira, inhame, batata doce e pão dormido.

João Panã está à espera pelas malas e nos informa que o trem já partiu de Paulo Jacinto. Agora estamos apressados e saímos em direção à estação. O senhor havia providenciado as passagens via União dos Viajantes de Pernambuco, que eram mais baratas.

Finalmente a máquina do trem apontou na curva da rua do Cravo. Eu já estava agoniado e queria mesmo era me ver dentro do trem olhando tudo que ficava para trás. Tomamos os nossos acentos, primeira classe. O senhor e seu amigo vestiam o tradicional guarda-pó; eu não tinha nada para me proteger, ia mesmo era sentir a dor das fagulhas em minhas pernas.

Apitando e bufando, o trem tomava rumo ao Sabalangá. Olhava tudo: os bois, os cavalos, cachorros e o povo que, nas janelas, esperava mais uma oportunidade de sentir uma alegria naquela manhã, com a passagem do trem de ferro.

Até que, enfim, entramos nas curvas da Serra dos Dois Irmãos. Ali corria perigo, conforme minha mãe falava. Continuava admirando tudo que via: as pessoas, os animais, o rio Paraíba fazendo as suas curvas e pequenas localidades, algumas poucas usinas de açúcar e pequenos engenhos.

Era dia de feira (sábado) e o movimento aumentava a cada hora. Muitos levavam suas mercadorias para serem vendidas nos mercados e principalmente no pátio da feira. As localidades se aproximavam. Eu só conhecia de nome, por ouvir falar.

Gameleira seria a primeira, logo depois Cajueiro e em seguida Capela. O rio Paraíba continuava seu trajeto e o trem sempre o acompanhava, inclusive nas curvas. As estações estavam repletas de pessoas que também iam a Maceió. Nas estações vendedores ambulantes ofereciam milho assado, pitomba, laranja, principalmente laranja cravo, e também mungunzá.

Avistei Urupema. Em suas proximidades meus olhos perdiam-se nos canaviais. Tudo era diferente para mim desde que a minha Viçosa ficou para trás. Agora os canaviais tomavam tudo, quase invadindo os trilhos. A paisagem mudava a cada instante e eu já nem pensava muito no MAR, que tanto queria tocar e sentir.

Era a vez de Atalaia. Estranhei muito o trem entrar e sair de marcha ré. Lembrei-me que alguém já havia me dito que aquela era a terra onde o trem entrava de bunda. Achei até graça. A máquina parecia cansada e fazia força para subir a serra. Bufava, cuspia fogo e derrapava. Era necessário soltar areia nos trilhos para melhor aderência. Lá no alto ela respirava melhor e tomava fôlego para chegar em Lourenço de Albuquerque.

Ali tudo se movia com intensidade, pois havia baldeação para o rumo de Recife. Um corre-corre generalizado. Vendia-se de tudo: milho assado, pamonha, canjica, pães de todos os tipos e o de que mais fiquei gostando: uns pães doces em forma de répteis (calango, lagartixa e até jacaré). Queria, na volta, levá-los até Viçosa, para mostrá-los à minha mãe e meus irmãos.

Havia vendedores de tudo, como disse, e até mesmo se vendia água e a famosa sopa de Lourenço de Albuquerque, que era muito quente e não dava tempo de ingerir em alguns minutos. O movimento era grande e logo o trem partia rumo a Maceió. Quem não conseguia tomar a sopa, via bem que os vendedores a colocavam de volta nas panelas para serem oferecidas aos próximos passageiros dos trens que por ali passavam.

Rio Largo se aproximava. O Paraíba continuava nos acompanhando, ou nós a ele. Estávamos chegando mais próximos da capital e o MAR continuava ali, me esperando. O tempo começava a mudar e tudo indicava que chuvas iam cair. Não me preocupei com isso, queria mesmo chegar perto daquele montão d’água e provar se era mesmo salgada. Ao entrar na cidade de Rio Largo, vi e admirei outra coisa muito diferente. Ali havia uma piscina cheia d’água que não era salgada. Desejei pular lá de cima de um tal de trampolim. Não dava tempo, o trem tinha que continuar sua jornada até o final da linha e eu ainda tinha a mente voltada para aquele montão d’água.

Fernão Velho estava perto e dali a Maceió era um pulo. Comecei a admirar a fábrica de tecidos. O que se fazia mais era um tecido grosso, tipo mescla azul, e outros menos importantes como um para camisa, branco, de algodão (algodãozinho). Passamos agora por Satuba. Admirei as fábricas de tijolos e telhas; ali as pessoas ficavam atoladas em barreiro tirando massapê.

A viagem continuava e à medida que o trem rodava, o visual ia mudando paulatinamente, com melhorias, é claro. Apareciam mais casas, gente e o movimento já era de cidade grande. O som que as rodas de ferro produziam nos trilhos tornava-se mais audível e com ecos agradáveis.

Por ser sábado, dia de feira na capital do Estado, havia grande movimento por todos os lados que eu olhava. Animais, carroças, carro de mão, todos eles conduziam mantimentos, criações, para um local específico, possivelmente o mercado. Um mercado grande, bem maior que o da minha Viçosa, a Princesa das Matas.

Bebedouro ia aparecendo. De lá de baixo avistei o Farol. Eu estava completamente atordoado com tudo aquilo que acontecia naquele dia. Já havia esquecido que estava em companhia do senhor e de seu amigo. A máquina, agora sem pressa, continuava puxando os carros lotados de pessoas de todas as localidades por onde passava. Estávamos entrando em Maceió. Eu olhava tudo e via quase tudo, só não via o MAR do qual tanto me falavam. O trem agora atenuava mais e mais a velocidade e até parece que ia parar quando se aproximava do mercado. Era uma curva longa e ele passava exatamente nos fundos de mercado cheio de gente, cheio de novidade.

Repentinamente assustei-me com uma imagem azulada, esverdeada e de várias cores e muita espuma. Era o MAR. Finalmente eu via o MAR pela primeira vez desde que nasci. – Entrava na estação de Maceió e vi na minha frente casas grandes arrumadas, ruas calçadas e o bonde a deslizar em seus calçamentos. Olhei para todos os lados e vi também a casa do bispo que mandava em todas as igrejas de Alagoas.

Dali, fomos acompanhados por carregador que levava nossa bagagem e andamos a pé até a rua 7 de Setembro, número 116. Essa rua ficava atrás da C.F.L.N.B. (Cê, fê, lê, nê, bê).

Eu não tirava os olhos do Grande Açude. Meu olhar era só para ele. Passamos pela rua das Verduras, onde residia outro seu amigo, o Nino Cassiano. O MAR desapareceu e só fui vê-lo novamente quando entrava na praça Sinimbu.

Finalmente chegamos à rua 7 de Setembro, depois de passarmos pela linha do trem. A rua ficava perto da praia e dali era um pulo ir ao seu encontro.

A casa do Anthenor ficava perto do MAR. Tinha um corredor comprido e lá no fim uma sala de jantar e logo depois a cozinha.

Meio desconfiado com tudo que vi por ali, me arrisquei e fui para o quintal que era murado e observei buracos por onde penetravam pequenos siris branquinhos e moles. Fiquei admirando tudo aquilo. Em minha casa, na Viçosa, o quintal era grande e cheio de plantações. Minha mãe gostava muito de verdura.

Wilmar, Viçosa (1953)

O céu estava ficando escuro; mesmo assim, depois de comermos um feijão de corda com galinha, me arrisquei e corri para a praia. Wilmar me acompanhou. O céu começou a derramar sua carga e a chuva veio forte. Não me importei, queria era penetrar naquela água de qualquer maneira para sentir seu gosto salgado. Mergulhei com corpo e alma naquele montão de água e fui ao encontro das ondas.

Meu irmão, na praia, gritava para que eu saísse. Me fiz de surdo e continuei tibungando nas águas já turvas com tanta chuva. Olhei em redor e só eu estava lá. Matei minha vontade e senti o gosto salgado daquele líquido que tanto me atormentava em meus pensamentos. Finalmente era a vitória!

Não me lembro bem de quanto tempo passei em Maceió. Não queria a cidade. Que se danasse o governador, o palácio, a casa grande do bispo e até mesmo o bonde. O MAR era o meu encanto.

O regresso estava marcado e a tristeza começava a se apoderar de mim. Ela queria me ver sofrer me separando de meu único amigo daquele dia. O MAR.

Calado e muito deprimido, fui me despedir. A separação foi triste, melancólica. Agachei-me, enchi minha mão com sua água e a levei à boca. Senti seu sabor e lhe dei um beijo. Saí sem olhar para trás. Senti que a água dos meus olhos também eram salgadas.

para Letícia

em pé: Regina, Ariel, Araken e Percival (fazendo careta); sentados: Failde, Alberoni (no colo de Anthenor), Anajas (nos braços de Fernandina) e Rodrigo

Era outubro de 1948 e estavam todos a caminho do estúdio fotográfico para tirar o retrato da família. De última hora, foi decidido que a tia Ester e tia Haydée iriam junto, o que obrigou os irmãos Ariel, Araken e Percival a fazerem o trajeto até o estúdio a pé. Irritados, no caminho combinaram fazer careta para as fotografias em represália. Porém, o registro denuncia que apenas o tio Percival foi até o fim com a brincadeira.

Memórias da Vovó Dina – parte 33

Siomara

O médico havia recomendado só ficar grávida após 2 anos de cirurgia. Com 1 ano e alguns meses depois nascia Siomara. Por isso foi cesárea. O interessante é que Ester, Agnaldo e Arnoldo foram partos normais! Dá para acreditar?! E assim se confirmou a profecia da parteira D. Evangelina Botelho, quando eu tive a menina morta: – Quando você tiver o décimo filho, vai ter problema.

Acertou na mosca.

O melhor ou o pior de tudo é que quando tive a Haydée, a minha tia, que era quem me assistia nessas horas, me disse:

– Se você tiver outro filho, não me chame.

Chamei então, Adalzinda. Foi ela quem me socorreu. Estava certa que a criança chegaria em fins de maio, mas criança não diz quando nasce, e ela ficou conosco cerca de 2 meses. Abençoada seja, pelo apoio que nos deu.

A tia não gostou de ter sido substituída. Não se lembrava do que havia me dito. Ela devia estar muito cansada. Realmente, ela e a tia Ester trabalhavam muito. Na casa em Maceió, ainda tinha vovó Januária, tia Bertulina e Jurací.

Irmãos e amigos reunidos: aniversá‡rio de 2 anos da Siomara (1954)

A tia Haydée era costureira e tinha uma grande clientela. Caprichosa como ela só, não admitia um erro na costura.

Ester, aos 7 anos (São Paulo)

Sei disso porque aprendi a costurar com ela. Failde e a irmã Floristela não suportaram a perfeição da tia. Desmanchar costura não era com elas. A aprendizagem aconteceu em Rio Largo.

Itajubá foi a nossa vitória, tanto no trabalho do Anthenor, como na vida de um modo geral. Bons colégios, boas vizinhanças, amigos simples e bons. Gente simples e cordata.

Em Ouro Fino ficamos 2 anos e 9 meses. Em Itajubá ficamos 9 anos e 9 meses. Não sei por que os nove meses, mas a verdade é que aconteceu tudo isso, até virmos para São Paulo.

Agnaldo e Arnoldo

O resto vocês conhecem de sobra.

Fomos felizes ontem e depois. Havia os tropeços que muitas vezes não podiam ser evitados. Vencemos com o amor multiplicado pela família que é o nosso verdadeiro tesouro.

Ele, o nosso Anthenor partiu para as plagas do infinito, mas venceu galhardamente a vida afanosa, escolhida pelo amor imenso que tinha por nós.

Deus na sua infinita bondade nos deu por acréscimo, o que mais precisávamos: Paz, Amor e União.

(fim das postagens da série Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 32

Anthenor e os filhos em Ouro Fino (anos 50)

Reportando a Ouro Fino e falando sobre a Haydée Ariani, ela, aos 2 meses adoeceu. Não queria a mamadeira, não urinava, não dormia direito. Chamei o médico pediatra, dr. Rodrigo, já entrado nos anos. Examinou a criança e não encontrou nada. O organismo dela não reagia, pois nem febre tinha.

No outro dia fui mudar a fralda e vi que a pouca urina tinha cor de café.

Mandei chamar o dr. Rodrigo, que trouxe material para colher a urina, mas teve pena, porque a criança era muito nova e ia maltratar e disse:

– A senhora vê se colhe um pouco de urina da menina.

– Mas como?, eu disse. Eu não posso passar o dia com a mão na bundinha dela. O melhor é o senhor receitar logo o que ela deve tomar.

– Vou então receitar injeção de penicilina. A senhora pede para o Valdir para aplicar.

– Eu mesma aplico, falei. Ele, admirado perguntou:

– A senhora aplica?

– Sim, senhor, apliquei muito no meu marido e em minhas tias.

E ficou boa a minha Haydée.

Ela já estava muito bem, mas eu precisava, por recomendação do médico, que não me recordo o nome, ir a Belo Horizonte me operar de uma porção de porcaria que eu havia adquirido com tantos partos. A nossa sorte é que a pobre da tia Haydée (que havia voltado de Maceió, onde foi depois da morte de papai), para assistir ao parto da atormentada Fernandina, sua sobrinha trabalhosa, em boa hora, o digo.

Fui me operar em Belo Horizonte, onde fiquei hospedada na casa de uma amiga, a Leninha. Nós a conhecemos no Sanatório, onde fazia companhia a uma irmã que estava doente.

Com a estadia lá, namorou e casou com um mineiro que trabalhava num banco, onde ela ia receber mensalmente o dinheiro que um tio enviava para a estadia delas. A irmã, Margarida, não se recuperou e logo faleceu. Leninha casou e ficou em Belo Horizonte. Eram todos de Pernambuco.

Passei no hospital quinze dias e mais uns em repouso na Leninha. O Anthenor foi me buscar. Naquela época não tinha pouso para avião em Ouro Fino. Pegava-se um trem para Pouso Alegre e de lá seguia de avião para a capital do estado.

O melhor de tudo é que Haydée não me reconheceu. Quis abraçá-la e ela me deu as costas e se aninhou nos braços da tia.

Estava forte e bonita a minha filha.

Uma amiga paraense, casada com um Martineli, cliente do banco, havia-a amamentado e ainda continuou um pouco, mesmo depois da minha chegada. Ela se chamava Regina Martineli. Mais uma das minhas dívidas.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 31

Anajas, HaydŽée e Joana

Mudamos de casa e essa era melhor. Mais nova que a outra e mais arejada. Empregada doméstica era um Deus nos acuda. Precisamos buscar a Joana em Maceió. A tia Ester fez uma matula para a pobre trazer que foi um castigo. O que havia de fruta e mais coisa que não me recordo, deu o que fazer à pobre mulher. O Osmar e Wilmar tiveram que esperá-la no aeroporto. Esperou-os por horas até que um senhor teve pena dela e levou-a para sua casa. A sorte é que ela estava com o endereço dos dois e no outro o abençoado senhor se comunicou com eles que haviam chegado atrasados para buscá-la e a levaram com a grande bagagem para a Rodoviária via Ouro Fino. Foi um verdadeiro drama.

Fomos para Itajubá e ela foi conosco. Depois veio a Josefa, irmã de Joana,  que estava na casa do Osmar. Perguntou-me a Ana Maria se eu não a queria porque ela não estava suportando o assédio do marido com a referida Josefa. O Osmar era muito boa pessoa, mas nesse ponto era muito safado.

Itajubá, década de 50.

Ficaram as duas na nossa casa até quando viemos para São Paulo. A Joana com as duas filhas e a Josefa foram morar juntas, mas não deu certo. Joana foi para o Rio e a outra ficou em Itajuba. Sei que teve uma filha e estava muito bem, obrigada.

Viemos para São Paulo. A casa era menor que a nossa de Itajubá. Tinha 3 quartos em cima e um porão onde ficaram os meninos menos o Ariel, que ficou com a mulher em Itajubá.

Agnes e Ísis, as primeiras netas (1962)

O casamento do Ariel foi com o gosto dos pais da Shirley, mas a avó, dona Filomena, não queria que a neta, dodói dela, se casasse, pois ela havia sofrido muito em seu casamento. Morreu um mês antes do casamento da neta. No começo a vida deles não foi fácil. Parece que no começo brigavam muito. Tanto era assim que uma noite ela chegou à casa dos pais com a mala dizendo havia voltado. O Sr. Djalma imediatamente foi dizendo que o lugar dela era ao lado do marido. Logo depois ficou grávida da Agnes e tudo se harmonizou.

Shirley, Ariel e Agnes (1960)

Nasceu a filha e quem a assistiu foi a Filhinha. Quando ficou esperando a Isis, ela me pediu para ficar com ela. Nós já estávamos em São Paulo. O Ariel que me levou e no dia em que apareceram os sintomas fomos para a maternidade.

Passamos a noite, ela e eu, sentadas nas cadeiras e o Ariel dormindo na cama de solteiro do quarto. De manhã, por volta das 6 horas, eu o chamei e a Shirley foi para a cama. Vi que o negócio estava apertando e saí para chamar a Irmã que estava indo à missa.

Eu disse a ela o que acontecia e ela me respondeu que ia à missa.

Então eu, educadamente repliquei: – Não vai, não senhora, só depois de acudir minha nora. Ela entrou no quarto e logo providenciou a vinda do médico. Não demorou muito e a Isis nasceu.

Foi tudo muito bem, graças a Deus.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 30

Rodrigo, Alberoni, Anajas e Haydée (Minas Gerais)

Em Minas Gerais a nossa vida deu um grande salto para melhor. O vosso pai foi como contador do Banco. O moço que ele foi substituir deu ás de Vila Diogo, como já disse, nem a casa deixou para nós. Fomos para uma casa velha caindo aos pedaços que nem móveis tinha. Não fosse a bondade e atenção dos clientes do Banco…

Mas graças a Deus tudo se arranjou. A tia Haydée, que havia ido conosco, foi o anjo bom de todos. Também estava conosco a Ester, que já havia trabalhado comigo em Rio Largo.

Failde, Anajas e HaydŽée

Lidar com o fogão à lenha pela primeira vez foi um Deus nos acuda. Lavar panela com fumaça de lenha não é fácil! O nosso arranjo foi lento, mas seguro. Ganhei uma geladeira que, confesso, não sabia como usar, mas com o uso me ajudou a compreender a utilidade daquele monstro branco.

Na primeira casa que moramos a copa era minúscula e não cabia a dita cuja. Ficou na sala de jantar que era grande.

Voltando a falar da Ester – quando ela chegou (isso aconteceu em Maceió) a minha avó Januária chamou-a para propor trocar o nome dela, pois tinha a tia Ester com o mesmo nome e assim iria atrapalhar! Judiciosamente ela respondeu: – Por que não troca o da sua filha? É mais fácil.

Vê lá se a vovó ficou satisfeita?!

Essa criatura, que Deus a tenha, tinha o hábito de tomar banho à noite. Ora, Ouro Fino é uma cidade muito fria. Ela se banhava e ia pentear-se no lado de fora. Chamei-lhe a atenção mais de uma vez e ela me respondia que, quando morresse, era defunto. O banho era quente. Resultado: tuberculose. Quem descobriu foi tia Haydée. Foi ao quarto dela e viu sangue no urinol.

Anthenor conseguiu um sanatório e lá, pouco tempo depois, morria a pobre Ester.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 29

Viajamos para Ouro Fino de avião até São Paulo, o nosso compadre Manuel Lucas foi nos esperar no aeroporto e logo se apossou da Anajas, que tinha 3 meses. Dormimos lá, depois de um farto jantar e no outro dia, logo cedo, fomos de ônibus para o nosso destino.

Lá estava nos esperando o nosso dileto e também querido amigo, Antonio Machado. Havia sabido no banco da chegada dos alagoanos, donde ele e ela, a mulher e a filha mais velha, provinham. Ele foi para nós um verdadeiro esteio. Ajudou-nos em todos os sentidos. Ele e a mulher, a Neném foram os maiores amigos que tivemos por toda a vida deles.

Anthenor havia sido nomeado contador do banco, mas na véspera da nossa chegada, o gerente tinha dado “ás de vila Diogo”. Descobriram-no com a mulher de um figurão lá’ de Ouro Fino no porão do banco e eles fugiram para não sei onde. Deixaram ambos respectivos cônjuges e filhos… e dizem que a paixão é incontrolável e assim, se juntaram os dois na maior besteira que um homem e uma mulher fazem nesta vida. O resultado, dizem, que se separaram. Não sei e nem me interessa saber, só peço a Deus que tenham juízo e vergonha.

Para substituir o fujão, veio um casal do Rio. Marido, mulher, dois filhos e dois sobrinhos. Até aí, nada demais. O “demais” é que gostavam de jogar cartas. Uma noite pediram para jogarem lá em casa. Ficava feio dizer não. Por isso foram uns 5 ou 6, não me lembro quantos e ficaram jogando até umas 10 horas da noite. Anthenor e eu sentados fora, vendo aquele absurdo em nossa casa.

Quando terminaram, não sei quem ganhou ou perdeu. Ao saírem, a Zelinda, mulher do gerente, me perguntou quando podiam voltar. Eu lhe respondi: – Sinto muito, mas dia nenhum. Nem eu, nem meu marido jogamos e apreciar jogo não é o nosso forte.

Ela deixou de falar comigo. Fiquei muito “triste”por isso.

Haydée

Na época da minha operação em Belo Horizonte, fui uma noite assistir uma reunião espírta em casa de um senhor que trabalhava no Banco. Um belo casal: ele e Maria Leonor. Éramos somente nós três. Veio pai João e perguntou-me se eu queria pedir alguma coisa. Ele falava meio português, meio africano e a Maria Leonor era quem traduzia. Eu disse que gostaria de sair de Ouro Fino. Era uma boa cidade, mas a vida lá era muito livre para adolescentes e a minha casa era cheia deles. Deus sabia o medo que nós tínhamos. Jogo e outras coisas eram permitidos.

Infelizmente era verdade. Hoje não sei. Espero em Deus que tenha melhorado. Aconteceu tudo isso no começo do ano. Uns dois meses depois uma carta da Maria Leonor dizendo que pai João mandava-me dizer que me preparasse, porque em breve sairíamos de Ouro Fino.

Em dezembro de 49, nasceu Haydée Ariani. Eu não podia parar. Era contra a minha lei.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 28

Nasceu o Flavio Alberoni no dia 2 de maio daquele ano na Maternidade Lessa de Azevedo em Maceió, de parto normal.

Houve uma cena interessante: ao lado do meu quarto tinha uma moça aos gritos quando vinham as dores. Gritava que era uma beleza! A mãe aconselhava-a:

– Não grite minha filha, isso é assim mesmo.

Não houve conselho até a hora do parto; eu numa sala e ela na outra, nasceram as crianças quase ao mesmo tempo.

Chegou o dr. Paulo Neto para ver se estava tudo nos conforme e me perguntou:

– Não quer trocar? A sua vizinha teve uma menina. – Respondi:

– Não doutor, para ser gritadeira como a mãe, não senhor, prefiro meu homenzinho.

Quando Anthenor voltou do Sanatório, devido ao calor de Maceió, fomos passar o período de sua volta ao banco em União dos Palmares. O clima de lá é mais ameno. Lá fiquei grávida da Fernanda Anajas. Fiquei preocupada, principalmente  pela situação financeira.

Loucamente tomei um chá que me ensinaram… e quando foi de madrugada vieram as regras. Fiquei meio louca de arrependimento, levantei e me ajoelhei chorando, pedindo perdão e rogando a Jesus que não consentisse naquela loucura de abortar. Suspenderam as regras e aí está a nossa Anajas, o anjo bom da nossa vida. Não quero dizer com isso que as outras, ou melhor, os nossos filhos não sejam o ideal que qualquer pai ou mãe desejem possuir. Eles são a nossa alegria, a nossa felicidade.

Anthenor e Anajas, Ouro Fino, Minas Gerais, 1948

Que Deus os abençoe hoje e sempre.

Fomos para União em novembro ou dezembro e voltamos a Maceió em janeiro, que seria a volta de Anthenor ao banco. Chegava do trabalho molhado de suor. A gripe não o largava. Passei a lhe aplicar injeções na veia por ordem médica, para que ele pudesse se fortalecer.

Até que ele resolveu ir ao Rio de Janeiro conseguir algo que o clima o ajudasse a viver mais feliz e sadio.

Nesse ínterim, nasceu Anajas. Quando estava para fazer 3 meses, fomos para Ouro Fino. Isso aconteceu em outubro de 48.

Houve, nessa época, um fato interessante: estávamos sem recurso quase nenhum. Estava toda a família em casa da minha avó. Para viajarmos decentemente, precisávamos de tudo, roupas e etc. Vocês entendem o etc, não?! A Fernandina nunca foi de ganhar nada em sorteio. Por uma daquelas coincidências que nós chamamos de acaso, havia em meu nome, coisa que eu não sabia, diga-se de passagem, uma apólice da Sul América Capitalização. E não é que na hora de mais necessidade, a mulher de Anthenor foi sorteada com 10.000 réis, o que para nós, era uma fortuna?.

É assim que o Pai nos dá a prova da Sua Infinita Misericórdia.

Foi uma festa! Criamos alma nova e fizemos a farra, comedidamente, mas uma linda farra. Convidamos até a tia Haydée para vir conosco. E com o apoio da tia Ester e da vovó, ela aceitou.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 27

Anthenor, Fernandina e Adelino Simões (padrinho de Anajas), Minas Gerais, 1949.

Depois do nascimento do Rodrigo, seu pai adoeceu seriamente. Veio o diagnóstico: tuberculose.

Mal se alimentando, cheio de preocupação no trabalho e dar conta da família, o nosso querido Anthenor não suportou a carga pesada que era a sua vida. O médico logo o aconselhou: ir para Belo Horizonte.

Mas antes dessa tragédia, nos mudamos para uma casa melhor. A dita cuja era situada em uma continuação da rua 7, com o pomposo nome de Feliz Recreio. Mas antes não tivéssemos. A casa era mais cara e naturalmente a despesa maior. Mas infelizmente a vaidade falou mais alto. Mudamo-nos e poucos meses depois ele seguia para o Rio para saber o que fazer até ir para o Sanatório Hugo Werneck, um dos melhores de Minas. Tudo isso aconteceu em 1945.

O Ariel, Araken e Percival não assistiram à partida do pai. Ele tinha providenciado para eles irem para União, onde ficaram com o Rodrigo.

O negócio não foi fácil. Depois de meses, recebi uma carta da amiga Guiomar. O marido Jorge Berenger também doente (os quartos eram vizinhos) tinha por acompanhante a mulher. Na carta ela me dizia que havia conversado com o Dr. Orlando (médico do Anthenor) e ele disse que o pior do Anthenor era a saudade que ele tinha da família.

Saí lendo a carta pelo comércio chorando e fui chegando onde trabalhava meu pai. Mostrei-lhe a referida e ele disse: – Se é assim, você vai…

Preparei-me com roupas de inverno (tenho pavor do frio) e mais coisas que não tinha (aliás, eu não tinha muita coisa). Como seria eu no avião?

Passei sete meses com meu marido no Sanatório. Não fosse o triste espetáculo de tanta gente moça condenada por uma terrível doença quase sem cura – naquela época – até que era bem razoável lá estar conversando, contando histórias, falando da vida alheia e mais coisas que não vem ao caso dizer.

Flávio Alberoni

O resultado da minha ida e da melhora do meu Anthenor é que fiquei grávida do Flávio Alberoni. Fiquei mortificada, envergonhada… mas fazer o quê? Deus nos dá a força para as provas da vida. Ninguém que eu saiba lamentou a minha situação. Pelo menos pessoalmente. Fiquei sete meses até o “seu” Anthenor se operar, o que aconteceu no dia 6 de janeiro de 47 (dia dos Reis).

A Neném, uma parenta nossa que trabalhava no Mercado Central, forneceu-me frutas para sucos. Eu deixava de noite tudo pronto num jarro e durante a noite o coitado do meu marido tomava um ou dois copos de suco. Disse-me o médico que foi a melhor convalescência que ele viu.

A operação brutal como a tal da toracoplatia, dificilmente haverá outra hoje em dia.

Precisei voltar em fins de fevereiro, pois a minha gravidez estava muito avançada – seis meses e meio, quase sete.

Ao chegar em Alagoas alguém julgou que eu não daria a luz entre o fim de abril e começo de maio. As fofocas não se cansam de nascer. É só perdoar e procurar esquecer.

Vamos fazer de conta que isso não aconteceu. A consciência limpa é uma boa resposta.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 26

Neste ínterim fiquei grávida da Regina. De repente o “santo” Rodrigo Mota veio com a notícia do concurso do Banco do Brasil.

Para trabalhar no escritório, ver a quantas ia a “venda” e estudar para o concurso, não foi fácil para o predestinado Anthenor dar conta do recado. Falou com o Sr. Gustavo Paiva, diretor presidente da fábrica, que ia fazer o concurso para o banco e ele disse que o “nossa amizade” ia se arrepender.

Passou no concurso (Rodrigo não) e fez duas coisas importantíssimas: vendeu a “santa” vendinha e fomos morar na rua do Uruguai em uma boa casa. Infelizmente, quando começou a chover a umidade tomou conta do piso e era o mesmo na rua do Macena, onde nasceu Regina Ângela.

A casa foi ficando pequena (eram dois quartos) só tinha uma vantagem, era perto do Mercado. Foi aí que recebemos para casar, o Joaquim (primo de Anthenor) e a Stela. Toda de preto: chapéu, vestido, sapato e bolsa. Deus a abençoe, mas parecia mais um velório. Perguntei por que aquilo e ela disse que sempre desejara um vestido preto, então… não sei se foram felizes! São os pais do Fernando Teles.

Regina Ângela

Da rua do Macena fomos morar em uma casa maior vizinha do Rodrigo, que morava com a mãe D. Áurea e a irmã Zaíde. Nesse ínterim adoeceu a avó do Rodrigo e foi se recolher em casa da filha Aurea. D. Aurea e Zaíde eram as criaturas mais inúteis para cuidar da pobre D. Januária. Resultado de uma queda, esteve no hospital cerca de 6 meses. Como não tinha nenhuma melhora trouxeram-na para casa de D. Aurea. Adivinhem quem cuidou da pobre senhora? – Rodrigo, Edgar (irmão) e a vizinha Fernandina. Rodrigo chegava do trabalho e mais o irmão Edgar iam dar banho na pobre mulher. Ela só dizia com as bobagens do Rodrigo: Ô Rodrigo, não diga essas coisas!

Ariel, Araken, Percival e garoto não identificado

Até a comida para a coitada, quem dava eram eles. A filha e a neta só faziam olhar. Eu ajudava no que podia – tinha casa e filhos para cuidar. Uma neta Maria Alice, que morava em Rio Largo, vinha sempre visitar e namorar o Edgar, com quem se casou. Levou tempo essa luta – mais ou menos 4 ou 5 meses. Veio um irmão que era padre no Rio de Janeiro (Padre Aurélio) para visitá-la.

Não sei quanto tempo ela levou nesse sofrer, mas ela sabe que foi um alívio quando partiu. Alívio para ela e para os netos. Deve estar em ótimo lugar, assim espero.

Depois dessa casa fomos para a rua 7 de Setembro, na mesma casa que morou o Euzébio. Anthenor, por obra e graça de um amigo do Banco, conseguiu substituir os contadores das pequenas agências do interior, ou seja, Palmeira dos Irmãos, Viçosa e União dos Palmares. Se teve mais alguma, não me lembro. Lá íamos nós com os filhos. A sorte é que sempre tinha um filho de Deus que nos arranjava móveis. Só não em Viçosa, porque tínhamos a casa dos nossos queridos Jatobá.

Nesse período (1942 -1944) nasceram Failde Aroni e Rodrigo Araês.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 25

Percival, sem data.

Esqueci de contar que o parto do Araken foi muito difícil e quando em junho fiquei grávida do Percival, fiquei apavorada, pois parto difícil marca muito a mulher. Tentei tomar um chá para abortar e não consegui. Fui falar com Sinhá que, na falta de minha mãe, ela era como se fosse a própria Regina. Eram amigas e comadres além de concunhadas. Bem, como ia dizendo, fui recorrer à minha querida Sinhá. Sentamos e ela recebeu o médico que lhe assistia a mediunidade, além do Dom Vital, e ele me aconselhou a não ter medo de nada. Ensinou que, quando fizesse 7 meses, tomasse uma colher de sopa de óleo de rícino com suco de laranja e repetisse aos 8 e 9 meses. Foi o melhor parto! Devia ter seguido nos outros filhos, mas só pensar em tomar óleo de rícino… me sinto repugnada até hoje. Covardia, sim senhor!

Vou fazer aqui uma volta em nossas vidas – as idas e vindas do vosso pai de Maceió para Rio Largo, despertaram a curiosidade do Sr. Gustavo Paiva, que era nada mais, nada menos que o presidente da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos. Quis saber a razão dele vir todo sábado para Rio Largo.

A deixa foi dada e Anthenor contou sobre a morte da mamãe, a solidão do meu pai e mais, que eu teria que ficar com ele até quando Deus quisesse. Aproveitou também para lhe dizer que o que ganhava como funcionário da Companhia não dava para viver com a família em Maceió. Impressionado ou arrependido do que havia feito com o meu marido em Rio Largo – havia tirado o acréscimo no rendimento que ele fazia através de venda de tecidos e etc, onde ganhava muito mais que o ordenado da fábrica, com a desculpa de quem trabalhava nela não podia ter outro negócio – o Sr. Presidente (que Deus o tenha), resolveu transferir o meu pai para o escritório em Maceió.

E fez mais, aumentou o ordenado do meu querido marido para míseros mil réis e fomos de nós de malas e bagagens, com acréscimo das tias, avó e Juraci, sem falar na empregada Ester.

Não pensem que a vida melhorou muito. Era muita gente – oito adultos e três crianças (Ariel, Araken e Juraci).

O minguado ordenado do seu pai e o pouco que o meu dava em casa, mal dava para suprir as necessidades de toda aquela gente. Até a tia Haydée arranjar clientes demorou bastante. Neste clima, em fevereiro de 1939, nasceu o meu Percival. Esforcei-me para amamentá-lo num seio só para não sacrificar mais ainda o orçamento da família. O interessante é que o bico do seio não rachou como dos outros filhos. Amamentei-o três meses e depois só Deus sabe como nos arranjamos. O José Pinto, meu irmão, era um peso morto. Não sei onde anda, não sei se no espaço ou ainda na infelicidade de sua vida. Que Deus o ampare.

A vida continuou até quando Deus na sua sabedoria nos deu nova vida. Anthenor para melhorar as despesas comprou uma venda, mercearia, bodega ou como queiram chamar. Ficava na mesma rua 7 de Setembro, no outro lado da rua. Era uma esquina, tendo do lado a estrada de ferro para Jaraguá. E a Fernandina é quem foi tomar conta e morar lá com os três filhos menores, ignorância quanto à venda… e o resto só Deus sabe.

Foram 6 meses de atropelo, de agonia. Não é que eu quisesse me sentir sacrificada naquela ocasião: é que eu não nasci para vender nada. No que errei, Deus que me perdoe.

O negócio começou em junho. Fizemos a nossa mudança e para não ser incômodo, enquanto eu não me adaptasse, Ariel ficou com minhas tias e meu pai, depois é que fui buscá-lo. Era perto, graças a Deus.

A minha, ou nossa sorte é que o João Rosa, filho de uma filha adotiva da vovó, estava conosco. Deu-nos uma ajuda tão grande que eu nem sei agradecer pelo que ele nos fez e valeu. Não sabemos dele e dos irmãos. Foram para o Rio de Janeiro. Que Deus os abençoe.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 24

Antenor Araken, aos 7 meses

Antenor Araken chegou um ano depois do primeiro filho. Foi uma fase muito difícil. Com 15 dias de nascido o menino adoeceu e eu também. Tive mastite que se transformou em 13 tumores. Praticamente perdi o seio esquerdo. Se tentasse dar de mamar, ele inflamava novamente. O Araken sofria de gastrenterite. Esteve assim durante 3 meses, até que o levamos a Maceió. Quem o curou, abaixo de Deus, foi o Dr. José Baía – que Deus o abençoe.

Durante todo esse drama de doença, meu pai, por ser membro do Integralismo, foi preso, como também meu tio Getúlio. O Anthenor para não acontecer o mesmo ficou refugiado em casa dos nossos amigos e compadres: Carmina e Manuel Lucas.

Tia Ester foi para Maceió e de lá mandava refeição para os dois que estavam na penitenciária. Tio Getúlio só ficou 15 dias preso e meu pai mais um mês. O idiota do Getúlio Vargas além de trair o enganado Plínio Salgado, deu o tal golpe de Estado e como “consolo” para o seu coração patriota, mandou que prendessem os integralistas. Se o Integralismo seria bom ou não para o Brasil, só Deus sabe. O pior foram as injustiças que praticaram. Enfim, tudo acabou, apesar do sofrimento.

Em Rio Largo fomos todos para a casa da minha avó e tias, que tinha também Juraci e tia Bertulina: Sinhá com os quatro filhos eu e os meus dois rebentos – Ariel com 1 ano e meses e Araken com 2 ou 3 meses, doente de fazer dó. Eu com o seio que não podia tocar. Lá consegui fazer um tratamento espiritual – já havia começado com outra pessoa e a moça que recebia um Preto Velho terminou o tratamento. Essa brincadeira levou cerca de 5 meses.

Quando papai e Anthenor voltaram, já havia passado mais de mês desse sufoco. Não foi fácil. Dinheiro pouco, preocupação aos montes.

Sinhá com os filhos voltaram para casa logo que o tio chegou. Desafogou mais, pois eram menos cinco para ocupar espaço, já em si tão pequeno. Eram apenas dois quartos mais ou menos grandes e um pequeno para minha avó. Na sala, não me lembro bem, ficaram Sinhá e as quatro crianças. No primeiro quarto ficaram eu com os dois filhos, mais tia Haydée e tia Ester. Juraci e tia Bertulina não sei onde se agasalhavam. A minha cabeça no ar, mais a doença, mais o dinheiro curto, mais a ausência do meu marido e de meu pai, eram de me fazer perguntar: “até quando, meu Deus?”

Vencemos com lágrimas ou sem elas. Vivíamos sob regime de economia brava. Sem a tia Ester, a responsabilidade da cozinha e da despesa ficou nas minhas costas. A Sinhá não era de muito auxílio, pois os 4 filhos não lhe davam muita trégua. A tia Haydée vivia na máquina, costurando. Eu e tia Bertulina revezávamos no serviço da casa. A pobre mulher saía pela manhã depois do café para lavar toda roupa da casa no Mundaú. Chegava pouco depois do meio dia e cheia de canseira e fome. Guardava o almoço da pobre com todo o carinho que o meu tempo concedia. Fui melhorando aos poucos, com a proteção dos bons espíritos e Deus que nunca nos desamparava. Com os conselhos e orientação do Preto Velho, fui sarando aos poucos.

Voltamos em janeiro para nossa casa e tia Haydée continuou conosco, pois eu sozinha não daria conta do recado. Meu pai voltou ao trabalho e meu marido à sacrificada vida de viajante. Trabalhava em Maceió e vinha todo sábado para Rio Largo de trem ou de carona com o Sr. Gustavo Paiva. Em fevereiro perguntamos à tia se eu poderia passar o Carnaval em Maceió. O seio estava quase curado, mas havia o problema do filho Araken. Tinha uma empregada e ela concordou. Desta forma, domingo de manhã seguimos viagem. Segunda-feira de tarde nos telefonaram pedindo que voltássemos pois a tia teve uma indigestão e não passava bem. Acabou o meu passeio e voltei para a labuta mais cedo do que o previsto.

Em março retornei a Maceió levando o Araken ao Dr. José Baía. Graças a Deus, ele curou o meu filho, que ficou gordo e sadio.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 23

O meu casamento foi marcado pelas mudanças.

Primeiramente fomos morar em casa de uma senhora que gostava muito de meu marido – d. Sinhá Zau. Ela foi experimentar e ver se conseguia morar com a nora. O filho, Otavio Zau, casara em segundas núpcias e ela, a sogra, não gostava ou não gostou da escolha do filho. Otávio ia montar uma fábrica de guaraná. Não deu certo e d. Sinhá pediu a casa de volta, que apesar de boa – três quartos, sala de jantar, cozinha – faltava uma útil dependência: não tinha banheiro. No fundo das casas passava o bicame ou aqueduto, que fornecia água para a fábrica de tecidos e consequentemente para as casas de toda aquela região que davam os fundos para o bicame. Servia de banheiro de despejo dos urinóis e água para limpeza. Água de beber e cozinhar se comprava e guardava em potes de barro.

Mas voltando à vaca fria, isto é, à desocupação da casa, voltamos de mala e cuia para casa de meus pais, pois apesar da promessa do Dr. Malcher, ele não nos arrumou moradia.

Casamos em outubro e ficamos até começo de janeiro em nossa primeira casa.

Viemos para casa do velho Fernando. Ainda hoje penso como coube toda a nossa tralha naquela casa que era menor que a outra. Logo estava grávida e graças ao bom Deus não tive enjôos. Em março veio a minha tia, que estava muito doente, ficar também em nossa casa. Ficou dormindo na sala com minha avó, pois não havia outro cômodo. Num quarto ficavam meus pais, no outro, eu e Anthenor, no terceiro que era pequeníssimo, ficava meu irmão José Pinto.

Em abril Idalina morreu, deixando minha avó mais do que desolada, desesperada. Apesar de se dizer espírita, não aceitava a morte da filha. Ficou tão magoada que resolveu não usar mais a mediunidade para nada. Nem para curar mau olhado.

Fernando Ariel, o primogênito, com 1 ano de idade, 1937

Em outubro nasceu Fernando Ariel. Criança grande, muito branca, olhos azuis, louro (era meu filho?). A mãe era tão diferente dele que não quis mamar. Não aceitou o seio por mais que tentasse. Foi criado com leite condensado. Era um menino forte e bonito. Quem o vê hoje com aquele barrigão não diz.

Foi a maior alegria da minha mãe a chegada do neto. Só esteve com ele 8 meses. Morreu repentinamente aos 39 anos.

Quando Ariel tinha cerca de 4 meses, nós fomos a Rio Largo. Ao chegarmos, mamãe com o amor e alegria por nos ver, especialmente o neto, pegou-o no colo e correu para mostrá-lo à Sinhá. Nós éramos vizinhos e a maior comunicação era feita por trás das casas conjugadas. Para subir para casa do tio Getúlio, havia uma escada de cimento de uns 5 ou 6 degraus. Ao voltar com a criança, ela perdeu o equilíbrio e caiu lá embaixo no quintal. Tinha uma altura de uns dois ou dois e meio metros. Feriu a cabeça donde saía muito sangue aos jorros. Havia se ferido no alicerce. Quem a tirou de lá foi o marido de Magnólia, irmã de Sinhá que haviam chegado também de Maceió.

Ainda hoje me pergunto como ele, o Santana, conseguiu trazê-la. Pesava uns 80 Kg, a pobre da minha mãe. Ariel sofreu algumas pequenas escoriações. O Anthenor foi correndo chamar o meu pai na fábrica. Ele disse que foi a primeira vez que o viu correr. Enquanto isso, acudíamos minha mãe meio desmaiada, sentada numa cadeira. Molhou com o sangue do corte uma toalha de banho. Quando meu pai chegou, fez o curativo e levou-a para deitar. Isto aconteceu em fevereiro. Pela semana santa foram ela e meu pai ficar conosco uns dias em Maceió.

tia Ester (de óculos), vó Regina (de vestido florido), Fernandina (sentada e em primeiro plano, em dupla exposição) e tia Haydée, sentada à direita.

Em 17 de junho de 37 ela faleceu em consequência de um unheiro preto (espécie de panarício) que lhe apareceu no polegar da mão direita. Foi operada cruamente na quarta-feira, mas a diabetes e a grangrena a levaram às 6 horas da manhã da quinta feira. Aos 39 anos faleceu minha mãe de saudosa memória. Deus a abençoe. Idalina, sua irmã, tinha falecido no ano anterior aos 29 anos. Meu avô Agérico, pai delas, tinha falecido em 35, um mês antes do meu casamento.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 22

Com 14 anos de idade tomei lugar na escola para substituir d. Maria José Gomes, que ia dar a luz. O que me salvou neste meu “ensino” é que eu lia muito, mas como professora era uma verdadeira droga. O meu estudo se limitou a estudar em casa com o professor Ferreira. Mas a minha preguiça como estudante não me ajudava muito. Matemática então nem se fala.

Substituí por duas vezes d. Maria José e com 18 anos fui efetivada. Devido à saída dos menores das fábricas, o contingente de alunos aumentou consideravelmente, daí precisarem de mais professoras. E lá se foi a Fernandina de professora. Até que para filhos de operários, os coitados, não me saí muito mal. De manhã eram meninos e de tarde eram as meninas.

Por dois anos fizemos festas para o encerramento das aulas. Meu pai, o prof. Ferreira, o prof. Japiassú e eu, ensaiamos, projetamos, nos descabelamos, mas levamos a cabo as representações que não ficaram de todo más. Não foi fácil ensaiarmos mais de cem crianças. As roupas, fantasias, cenários, palco e orquestra foram cedidos pela fábrica. O Dr. Malcher, o gerente, com o consentimento do Sr. Gustavo, nos deu carta branca.

Nessas horas eu não sentia canseira. Era meu mundo!

No primeiro ano o meu organismo baqueou um pouco. A conselho médico fui passar umas férias no interior (Atalaia), numa fazenda de amigos e parentes da Tininha (afilhada da minha mãe). Seguimos viagem tia Ester e eu para só passar oito dias. Ficamos doze. O caminhão que fazia o transporte quebrou e não teve como viajarmos de volta. Foi muito proveitoso. Graças ao carinho de uma família que não nos conhecia, a boa educação de nos bem receber, a magrela ganhou uns quilinhos e com isto teve mais um ano como professora.

Com muitos senões, aqui praticamente se encerra minha vida de solteira.

cartão postal, presente de Fernandina para Anthenor

Namoro contrariado pela família do meu pai que praticamente havia criado Anthenor: a minha avó, a tia Haydée e um pouco a tia Ester (pelo menos nunca se pronunciou), era com a cara feia que aceitavam a minha escolha.

Com a morte do meu avô paterno e a saída do pai do Juraci do cenário restava ao moço casadoiro arcar com as despesas da casa. Só despesas, porque ele não mandava bulhufas. Tia Haydée me disse que o rapaz não tinha nenhum futuro. Eu havia negado que o namorava, por medo, por timidez ou sei lá o quê. Diante da minha negativa, o Rodrigo Mota foi informado e consequentemente o Anthenor também. O bobo (caso possa chamá-lo assim) falou até em suicídio. Foi uma fase atormentada de leva e trás, lágrimas e chateação. Diz o Anthenor que até hoje o “seu “Fernando , meu pai, não deu minha mão em casamento. Não respondeu a sua carta e a resposta deve ter sido dada através da minha mãe.

dedicatória da noiva no verso do cartão postal

Onze meses e onze dias depois de noiva nos casamos no civil, em casa dos meus pais, no dia do aniversário da minha mãe. Casamento simples, festejado com um almoço (o evento foi realizado às 8 horas da manhã, pois o juiz teria que viajar para Maceió no trem das 9h). Ficamos até à tarde, quando fomos para nossa casa.

No meu casamento tinha pedido às minhas alunas que me levassem cravos brancos. Elas os trouxeram na véspera – domingo. Coloquei-os n’água e de manhã prendi-os nas fitas para por no buquet que Idalina trouxe quando veio com o Rodrigo ao casamento que, como sabem, foi às 8 horas da manhã.

Fernandina com seu buquê de lírios brancos, no casamento (26 de outrubro de 1935)

A tia Ester chorava que só bezerro desmamado, não sei se com pena de mim ou por ter que viver daquela data em diante sob as expensas do meu pai e do tio Getúlio. Nunca lhe passou pela cabeça que o meu marido nunca as deixaria sem a sua ajuda. Ajuda esta que se estenderia por todos os anos da vida delas – sem falar no Juraci, meu primo de grata vida. Gostamos muito dele, mas que deu muito trabalho, isso deu. É um bom homem com referência ao coração. Tolerante com seus semelhantes, mas infelizmente, mal para si mesmo. Amigo da cerveja e cigarro, não cuida da saúde, não querendo compreender que ela, a saúde, é o melhor prêmio que se tem na terra. Sofrem com isso a dedicada Marinete (a nossa Nanete) e os filhos. Não nos referimos a nós, por não morarmos juntos. Seria um tormento maior se assim fosse, pois ele não nos ouviria e seria navegar em canoa furada. Só espero em Deus que o seu espírito (quando morrer), não se atormente demais pela vida estacionária que procurou. Ainda bem que os filhos não lhe seguem o caminho. Não fumam, não bebem, graças a Deus.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 21

Com a chegada de Anthenor as nossas brincadeiras de criança aumentaram. Devido ser sozinha, o meu grupo era muito pequeno. Me dava melhor com Magnólia, mas só duas meninas não fazem uma roda nem brincam de esconder. Aumentou o grupo com Rubenita, Wladimir e mais uma meia dúzia de crianças que mediava a nossa idade. Brincávamos de artista de cinema, de esconde-esconde ou chicote queimado, empinar papagaio (coisa que nunca consegui fazer), amarelinha ou avião, pular corda, jogar pedras (pedras bem bonitas). A turma unida e animada.

Neudi e Liege, Maceió, 1940

A mais chata, encrequeira, era a Rubenita, irmã de Wladimir. Mais moça que nós (Magnólia e eu), era criada com todo o mimo que pais pobres podem dar a uma filha. Não gostava de ser chamada Rubenita e sim Benita. Nessa época só existiam três filhos – Wladimir, Rubem e ela. Depois nasceram Carmem, que morreu pequenininha, e Carlito, afilhado de meus pais e meu de apresentar (no norte tem a madrinha de apresentação, isto é, a que carrega o bebê até a pia batismal). Só que quando fomos batizar o Carlito, ele já tinha 7 anos e eu 14. Isso aconteceu em Viçosa (AL), quando moramos lá por um ano.

Mas, voltando a Carmina, sua mãe, era uma mulher bonita e meu querido compadre Manoel Lucas também não era de se jogar fora. Para falar com franqueza, Rubenita sempre foi a mais feia. Quando nasceu Liege, ela já era aluna do Santa Sofia em Garanhuns (PE). Devia ter uns 15 ou 16 anos. Foi ela que pôs o nome na irmã de Liege. Minha mãe descobriu a tradução do nome e só chamava a coitada de Cortiça.

Fernandina, entre 14/15 anos, fotografada por Anthenor

E assim a nossa vida foi indo tranqüila. Não era vazia. Depois que voltamos de Viçosa onde moramos por um ano, como já disse, eu havia mudado um pouco. Também já estava com 14 para 15 anos. Diziam que era bonita. Gostava de dançar, de cinema, de festas de rua. As festas de fim de ano e de carnaval eram o máximo para meu espírito vagabundo. Gostava de ler. Comprava toda a semana, revistas de cinema – a Cena Muda e Cine Arte. As revistas tinham resumo dos filmes, cenas e retratos dos mesmos. Devorava romances e talvez por isso, sonhava demais com o que não tinha e gostaria de possuir.

O diretor-presidente da Companhia, Sr. Gustavo Paiva, organizava festas e o carnaval era a sua grande representação para o operariado. Existiam duas bandas de música da própria Companhia. O primeiro maestro foi meu avô Agérico. Quando ele se afastou, veio o Sr. Japiassú. Foi aí que organizaram duas bandas. Minha prima Floristela, filha de tio Getúlio e tia Sinhá, fazia parte – tocava saxofone. Era tão boa na arte que comandava a parte feminina.

Banda Feminina da Companhia Alagoana, regida pelo maestro Jupiassu. Floristela, filha de tio Getúlio e tia Sinhá, tocava saxofone. A foto é do aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo.

O carnaval era a nossa melhor festa. Nos dois primeiros anos, as máscaras, as alegorias, as idéias de fantasias, tudo foi organizado pelo tio Zeca. Os dois principais carros alegóricos eram: um dedicado ao Mossoró, cavalo brasileiro que ganhou o grande prêmio, na Argentina. Era feito de papel machê, grande, maior que o normal. Tudo muito bonito. O outro foi um canhão grande, imenso.

A música era correspondente, animação que só o nordestino sabe fazer quando quer. O Sr. Gustavo nos cedia tudo, até as fantasias.

Quando o tio foi embora, quem o substituiu foi o Sr. Teotonio. Ele não trabalhava na fábrica, mas alguém o recomendou prazerosamente.

Desta vez o carro principal foi um dragão. Montado em um enorme caminhão, parecia aquele dragão das procissões chinesas. Quem seguia o dragão estava vestido a caráter. Tinha chinês a dar com o pau. Até os músicos.

Era isso, essas festas que nos davam alegria. Isso e mais os bailes de carnaval no domingo e na terça. O fim de ano também se encerrava com baile, fora as festas de rua em Rio Largo e Cachoeira.

Não se pode dizer que não tenho saudade… mesmo porque só solteira eu “fuzarqueei”. O seu pai não gostava (será que gosta?) de festa, muito menos de dançar. Meu pai ainda dançava quadrilha e coco e ele nem isso. Das poucas coisas que senti falta, foram as festas, bailes, pic-nics.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

retrato das musicistas

Em pé: mãe Regina Caldas, Leopoldina e tia Ester. Sentadas: (com tiara, não sabe), Sebastiana (conhecida como Eucrávia) e Celsa. Um detalhe: as mulheres sentadas não tocavam, era só pose.

Memórias da Vovó Dina – parte 19

O Joaquim primo, que tinha um poder aquisitivo bom para a época, jamais se lembrou da tia Zefinha. – Que a ingratidão das criaturas nunca lhe sirva de pedra de tropeço!

O meu cunhado José Braga veio muito depois. Era o paparicado da família, ninguém precisa ser rico para por a perder um filho com excesso de carinho.

O irmão Benedito morreu ainda criança e outros bem pequeninos.

Quando o menino Anthenor veio para Rio Largo, o irmão Artur ficou com o encargo do trabalho junto ao pai. Sim, porque o seu Anthenor também pegava seriamente na enxada. Fez falta, mas como disse o Caetano (dono da fazenda em que viviam) ele iria ajudar muito mais depois.

A sua preocupação maior era trazer o irmão José para estudar… mas aí já é outra história.

Depois de casado, projetou trazer Sebastiana para que houvesse para a moça melhor posição na vida. Mas ela já estava embeiçada pelo José Teotonio Macena. Fizeram de tudo para a não realização desse casamento. O homem era mulato escuro e como não importa a condição social ou financeira do nordestino, o que ele não quer é ver um filho casado com um escuro. Mesmo que a pele seja clara, mas tendo o cabelo pichaim, é negro e acabou a história. O José era escuro, mas o cabelo era quase liso. Nem isso o favoreceu: continuou sendo negro até morrer. Homem bom, sossegado até demais. Tinha um grande amor pela mulher e só ela o decidia a ir para o trabalho na lavoura, estivesse grávida ou não, barriga imensa, só iria se ela o acompanhasse. Não que ela ficasse parada, pegava também na enxada. Dizia a minha sogra:

– O Zé Teotonio é tão sem vergonha que se a Sebastiana não for com ele para o eito, ele fica em casa coçando os … deitado na rede.

E sabem quantos filhos tiveram nessa condição? Uns 12 ou 13 – criaram sete.

No pouco de terra que tinham para plantar, o tal de Mario Gomes tirou para plantar cana, então eles vieram para Maceió. Ficaram em Bebedouro até que foram tomar conta do sítio que foi do meu pai, em Maceió, no farol.

Com a timidez e a tristeza arraigada no espírito, com a vontade firme de vencer e ser “alguém”, o Anthenor foi suportando a situação de “filho dos outros” em casa da minha avó. Nunca tratou as minhas tias como iguais a ele. Eram D. Ester e D. Haydée. Havia como um muro de permeio entre ele e a família que o acolhera por força de vontade do meu avô.

Meu pai, indiferente, meu tio não era menos e meu avô, apesar do gesto caridoso de trazê-lo, era um zero à esquerda naquela família de orgulhosos. Olhando cruamente as ações dos meus avós, tios e afins, é que eu vejo quanto de orgulho existia em toda aquela pobreza. Pobreza de espírito e material. O trabalho do meu tio Getúlio, pouco lhe rendia (alfaiate). Minha avó deixou de costurar aos poucos. Não tinha muita saúde e nunca se tratou que eu saiba. Tia Ester fazia filé para fora. Aquilo é demorado e enfadonho. Tia Haydée, mocinha, pouco se preocupava com essas coisas que praticamente não lhe diziam respeito.

Meu pai, casado com mulher e filha, passou 5 anos sem trabalhar. O meu avô, o seu serviço era azeitar o mancal (eixo) do sol, ou seja, não fazia nada e com o respeito próprio, orgulho e quase brisa, vivia a Família Caldas. Foi nesse ambiente de quase hostilidade e pobreza imensa que eu vivi e depois aquele que iria compartilhar comigo a vida de trabalho, tristezas e alegrias, que é o resultado da imensa família que constituímos.

Minha mãe era, pode-se assim dizer, a única equilibrada de toda aquela barafunda de entra e sai de gente naquela casa. Sim, porque ali não faltava quem fosse cantar, conversar “miolo de pote”, falar da vida alheia e etc.

Em pé: tia Ester e Dr. Romeu, um dentista, amigo da tia Ester; sentadas: a esposa do dr. Romeu e tia Haydée.

Tia Ester tocava flauta violão. Qualquer bicho careta que tocasse e cantasse se reunia lá para animar um pouco o ambiente. Apareceram por lá: Augusto Calheiros, Jararaca e Ratinho, Otaviano Romeiro e mais alguém que pouco me interessavam. Só me lembro de Otaviano. Era um mulato alto e bonito. Não chego a jurar, mas para mim ele foi a paixão da minha tia Ester. Tocava saxofone e também cantava. Eu devia ter os meus 7 ou 8 anos. Ele estava de passagem para o Rio de Janeiro (como os outros também), vindo de Santa Luzia do Norte.

Naquelos idos tempos, Santa Luzia do Norte era sede do município ao qual pertenciam Rio Largo, Fernão Velho e Utinga e me parece que Satuba. Um dia perguntei ao meu pai como era que Santa Luzia do Norte podia ser sede de município, pois além de ser uma porcaria de cidade (Rio Largo para mim era o máximo), a própria prefeitura era localizada em Rio Largo. E ele sabiamente me respondeu:

– Quem pode entender os homens? Nem eles sabem o que fazer daquilo que dizem mandar. Política é assim mesmo! Qualquer dia destes irão compreender que isto não tem cabimento.

Não se passaram muitos anos e tudo passou a ser o que já devia ter acontecido: por obra e graça do “seu gunverno”, nossa “cidade” passou a Cidade.

Mas voltando ao Otaviano Romeiro: tia Ester o levou lá em casa e minha mãe ficou encantada com ele. Cantaram e tocaram a tarde toda. Mamãe tocava um pouco de flauta e cantava como pouca gente. Linda voz, linda mulher. Pena ter engordado tanto e aí foi mais a moléstia atacá-la: diabetes.

O Otaviano foi para o Rio e de lá escreveu e mandou fotos para a tia. Organizou um jazz e como bom compositor que era foi fácil vencer. Tornou-se o Fon-fon, para os cariocas.

Turunas da Mauricéia

O Augusto Calheiros veio com um grupo de não sei quantos. Quando ele esteve lá, eu era bem menina. Isso aconteceu bem antes do Otaviano. Esteve em casa de minha avó por serem conhecidos desde Murici. Vovó conheceu a mãe deles (eram dois irmãos) e era uma coitada. Era negra e pobre (negro e pobre naquele tempo era pleonasmo). Dizia minha avó que muito bonita e isso atraiu um outro Calheiros que lhe deu os dois filhos que criou como doméstica na cozinha dos mais favorecidos da sorte.

O grupo de Augusto vinha de Recife e passou por Rio Largo também rumo ao Rio. O grupo tinha por nome Turunas da Mauricéia. Fez enorme sucesso.

Cantava bem o diabo do homem, valsas, emboladas, canções dolentes e alegres… uma beleza. Sei disso por causa dos discos do meu avô Agérico.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 18

Chegou em Rio Largo em 24.11.24, no trem da manhã e logo foi à vendola que meu avô havia adquirido, a qual tinha o pomposo nome de Fortaleza. Ficava numa das partes mais feias e pobres da cidade que, como cidade, não era lá grande coisa.

Lá me encontrou amontoando moedas de cobre em cima do balcão. Meu avô não gostava que eu mexesse em dinheiro por causa da sujeira e também pelo mau cheiro que tem o cobre.

A primeira impressão que tive dele é que era um menino feio, magro e pálido. O que chamava a atenção eram os olhos grandes e esverdeados com tons de amarelo.

Fomos apresentados, mas estou quase certa que não nos falamos. Se eu era acanhada com estranhos, ele era muito mais. Quanto mais que estava complemente fora do seu ambiente. Já havia completado 10 anos em maio e eu 9 em fevereiro. Devia ser do meu tamanho, mas era mais magro do que eu. Cabelos louros abundantes, ninguém diria que um dia ficaria careca.

Fernandina, ao centro, está ao lado de Anthenor. Magnólia à direita (vovó Dina não se lembra quem é a garota à esquerda) - Rio Largo, anos 30.

Fomos os maiores amigos de brinquedos. Ensinou-me a pescar e empinar papagaio (que nunca aprendi). Eu era o seu mundo, mas fui tão burra que só consegui entender isto muitos anos depois.

Foi matriculado na Escola Pública, cuja professora, D. Adelaide Loureira, encantou-se com a inteligência do aluno. Infelizmente só estudou um ano. O resto foi por sua própria conta. Logo precisou trabalhar porque a míngua em casa do meu avô não era fácil de aturar.

Ninguém se interessou pelo futuro do moço, ávido de aprender. Nem mesmo meu pai, que sabia o quanto era duro aprender sozinho.

O amor que se aninhou no coração do menino triste e tímido, que não fui capaz de entender, foi levado até minha mãe, como se aquilo o consolasse da indiferença da filha, que se tornou a sua razão de viver.

Filho de pais pobres, analfabetos, vivendo como trabalhador do campo em fazenda alheia, mal tinham para se alimentar decentemente.

Família numerosa, a única que tinha alguma alegria para conversar e viver era a mãe, d. Joaninha. Quando a conheci, já a via velha, sofrida. Às vezes, quando lhe dava na telha, deixava os filhos entregues ao marido e ia passear, rever os amigos e parentes. Passava uma semana e voltava para continuar a labuta.

A minha sogra casou a primeira vez aos 13 anos, com um homem duns 30. O pai dela, Sr. Francisco Bezerra, forçou-a a esse casamento não sei se por ter menos uma boca para alimentar, não sei se por não gostar da filha ou por ambição. Ele dizia que o tal era rico e com isso destinou a criança a um casamento criminoso. Ficou viúva aos 15 anos com dois filhos: João e Alice. O pobre infeliz era hidrópico – e toda a herança que deixou foi um cavalo, uma casa e um pedaço de terra. O velho Francisco vendeu tudo e enfiou o dinheiro no bolso, para não dizer em outro lugar. Moravam todos na cidade de Capela (Al), para onde ele tornou a trazer a filha e os netos. Ela, para sustentar os filhos, lavava e passava para fora.

Aos 17 anos, reencontrou o Joaquim (a quem ela já conhecia e era apaixonada desde antes do primeiro casamento) e se casaram. Levou consigo a menina Alice. João, um parente levou para o Rio de Janeiro e ela não mais teve notícia dele. O primeiro filho do Sr. Joaquim logo chegou. Artur, seguido de Dionília (mãe do Calheiros). Os outros, nem o próprio Anthenor sabe a sequência. Seriam 11 com mais dois do primeiro matrimônio, o martírio da minha sogra estava completado com as necessidades da vida, a braveza do marido e o trabalho rude de quem vive na roça.

O Anthenor devia ser o terceiro ou quarto Filho. Tinha mais Maria, Sebastiana e Benedito. Francine, que foi para Bebedouro estudar e ficou uns anos em casa de uma irmã do pai, tia Zefinha, uma das melhores mulheres que conheci em minha vida. Mulher simples, tinha adoração pelos sobrinhos e na sua pobreza acolhia com carinho a quantos a procuravam. Dionília e Joaquim (este era filho de uma outra irmã, Tereza), estudavam em Maceió e moravam com ela, em Bebedouro. Ele tinha aulas no Orfanato São Domingos e ela conseguiu frequentar até o primeiro ano do Normal. Largou tudo e fugiu, apesar dos conselhos, com um Calheiros de má fama. Preguiçoso, vagabundo e como bom Calheiros que era, briguento.

Tinha uns 15 anos quando fugiu. Tia Zefinha e o marido foram buscá-la e fizeram o casamento. Teve um menino, José, e não suportando os maus tratos, fugiu, largou marido e filho e voltou para a casa da mãe. É isso que o nosso sobrinho Calheiros não consegue perdoar. A mãe tê-lo abandonado com o pai. Graças a Deus, o menino José encontrou alguém que lhe serviu de mãe. Trabalhava na fábrica de Rio Largo (Fábrica Progresso) e sustentava os dois até a idade que o José Calheiros pudesse também trabalhar e, consequentemente, ajudar um pouco. Depois foi ser aprendiz de alfaiate e muito depois, foi para o Banco do Brasil em Guaratinguetá, sob os auspícios do tio Anthenor.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 17

Anthenor com 16 anos, Rio Largo, 1930

O Anthenor apareceu em nossa vida quando fiz os meus 9 anos.

Meu avô paterno, Manuel Gomes foi passar uns tempos (não sei quando) na fazenda de um amigo da família – Fazenda “Bernardo Vieira” – que era localizada no município de Murici. Era próxima ao povoado de Branquinha, onde moravam as mais importantes famílias daquelas bandas. O povoado era tão importante que tinha parada de trem. A família Maia Gomes mandava e desmandava não só em todo o município, como nos que moravam nele.

O conhecimento da família do meu avô com eles era que todos eram nascidos e criados na “bela” cidade de Murici. Minha avó Januária era a maior defensora da tal família. A mulher do maioral, coronel José Maia Gomes, d. Eudóxia (se não me falha a memória, o nome era esse), era comadre da minha avó, pois um dos filhos dela foi amamentado por Januária e se tornou então irmão de leite do tio Getúlio. O negócio é meio complicado e meio bobo também, mas no interior isso era levado muitíssimo a sério. Tornam-se parentes pelo leite, não pelo sangue. O tal chamava minha avó de mamãe e ela tinha um enorme orgulho disso. Eu o conheci e sempre o achei um bom homem.

Noemia, 1927

Mas voltemos ao meu avô, à Fazenda Bernardo Vieira e consequentemente ao nosso amado Anthenor.

O dono da referida fazenda, Sr. Caetano José dos Santos, era um mulato baixo, de rosto meio bexigoso, mais para gordo. Tratava os filhos como se fossem escravos: Noemia, Edília e José. Edília era casada com o chefe da Estação da estrada de ferro de Murici. Ela foi a mais sabida dos três, pois se viu livre do jugo do pai muito cedo. O pai era mulato, mas os filhos eram quase brancos, do cabelo ruim. O José do Caetano, como o filho era conhecido, tinha o cabelo avermelhado e era pau pra toda obra. Comprava gado, vendia, tirava leite de manhã, cuidava da lavoura, amansava cavalos, o diabo a quatro. Só não tinha direito de pegar em um tostão. Apesar da rudeza do Caetano com os filhos, ele nos recebia como se fôssemos uns príncipes. Eu particularmente adorava ficar na Fazenda comendo a comida gostosa da dindinha Noemia. Minha mãe a convidou para minha madrinha de crisma, coisa que nunca aconteceu. Por coincidência, ela era madrinha de batismo de Anthenor. E nós a chamávamos orgulhosamente de dindinha Noemia. Ela, Noemia, era a dona da casa, mas de vez em quando levava uns sopapos do pai.

Na época da ida do meu avô para lá, o Caetano velho montou uma pequena mercearia (chamavam barracão), para vender e explorar os infelizes que trabalhavam para ele e outros de toda aquela redondeza. O velho avô praticamente passava os dias sem nada fazer, daí então a resolução de ensinar a ler aos filhos dos trabalhadores da fazenda e alguns mais que quisessem. O pobre homem, meu avô, era simplesmente alfabetizado, mas o destino se aproveitou do “professorado” para existir um motivo na ida (ou vinda?) do futuro pai de vocês para Rio Largo.

Meu avô, creio que enfarado da vida semiparada da roça, resolveu voltar para casa, se reunir à família, que creio, não lhe dizia muito ao coração, principalmente a braveza da minha avó. E, ao se preparar para tal, perguntou ao seu mais aplicado aluno, isto é, ao Anthenor, se gostaria de viajar com ele para estudar em Rio Largo. Ele aceitou mas… e o pai, e a mãe? O avô prometeu falar com a mãe e o fez. Por ela, tudo bem. Restava o “seu” Joaquim. Ignorante como ele só, o pobre homem não atinou com a vantagem da ida do filho para a cidade. O queria para ajudá-lo no plantio, no cabo da enxada. Tinha o mais velho, o Artur, mas na verdade quanto mais mãos tivesse, melhor. Disse que não tinha filho para ser “espoleta”de ninguém. “Espoleta”, no dizer deles, significava criado, empregado de casa.

Seguiu o “seu” Manuel prometendo a D. Joaninha que logo mandaria Ester, a filha, para resolver o assunto do rapazinho.

D. Joaninha, zangada com o marido, foi falar com o dono da Fazenda, no caso o “seu” Caetano. Caetano chamou o “turrão” e passou-lhe uma descompostura. Abriu os olhos do pobre homem, já que o orgulho não lhe dava ensejo para tal milagre. Disse entre outras coisas que o menino iria ser gente, estudar e trabalhar para mais tarde ajudá-los. Que o Anthenor não tinha corpo (estrutura) para o cabo da enxada. E foi assim que quando a tia Ester chegou em Bernardo Vieira já estava tudo resolvido. Ela só teve o trabalho de ir ao povoado e comprar roupa e sapatos para a nossa amizade.

E abriu-se um novo Universo para o menino Anthenor, que nada conhecia senão o seu pequeno mundo que se chamava Branquinha, Nicho, Fazenda “Bernardo Vieira”e mais o Riacho Bode Fogoso, às margens do qual ele havia nascido.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 16

Meu pai era o festeiro da rua do Coqueiro. Não dançava. Só coco ou quadrilha. Nas festas de S. João, de ponta a ponta da rua, aonde a vista alcançava, só se via mastros e fogueiras. Quando chegava a noite era um nunca acabar de fogos de toda a qualidade. Com as fogueiras acesas parecia o dia embelezado por mastros de toda espécie de plantas: mamoeiros, galhos de árvores grandes, palmeiras; fogueiras grandes e pequenas, feitas em barris ou lenha cruzada, bandeirolas de papel de seda enfeitando os mastros e as casas.

Tudo preparado para se dançar, cantar em serenata, comer bolos e doces, soltar fogo chinês, rodinhas coloridas, traque de chumbo, diabinho, buscapé, rojão… a saudade é grande de um tempo que feliz, ou infelizmente, não volta mais.

Meu pai era quem animava tudo isso. Os melhores cocos (dança folclórica alagoana) e quadrilhas eram organizadas por ele, assim como os blocos de Carnaval.

Para nós, crianças, isto era o céu. Era para mim a reunião de tudo que sonhava. Animação, festas, dança, música e gente reunida cantando com vontade de que aquilo não acabasse nunca mais.

Fernandina, com 14/15 anos

A menina quieta, retraída, se transformava quando havia festas, danças, passeios, picnics. O “esquenta mulé”, orquestra de pífanos do “seu” Marcos, animava qualquer festa de santo, cavalhada… e o que inventasse o homem do nordeste para afogar a vida dura e sem graça do dia a dia. A orquestra de pífanos é composta de três a quatro pífanos, uma zabumba, duas caixas, um triângulo e às vezes pratos de metal e reco-reco. Sai às ruas com uma pessoa (homem de preferência), vestida com uma grande toalha passada de través no busto, cobrindo o braço que carrega a bandeja do Santo. Na bandeja com um pano bordado, flores e o Santo, para receber esmolas para a festa que vai-se iniciar dali a uns quinze dias.

O homem com o Santo ia na frente do “esquenta mulé” coberto com um guarda-sol para, com certeza, não tostar o santinho.

A crendice é um troço que comove quando se recorda um passado feliz, apesar de todas as aperturas. Nas festas de S. Benedito, na praça do mesmo nome, tinha de tudo que os namorados gostam e as crianças adoram. Trivoli, gangorra, balanços em barcos, roda gigante, pipocas, barracas para se jogar a sorte, algodão doce, cocadas brancas e escuras, amendoim cozido, torrado e cru, rolete de cana, caldo de cana, farinha de milho, farinha de castanha de caju, farinha de amendoim. Essas farinhas eram vendidas em saquinhos de papel. Guarda chuvinhas feitos de papel de seda. Um sonho para criança nenhuma botar defeito. As farinhas eram feitas com grãos torrados, pisados no pilão, peneirados em peneira fina. Juntava açúcar, bem misturados, não muito doce e eram postos em saquinhos de papel, coloridos ou não. Uma delícia!

As barracas da sorte tinham espalhadas nas mesas um encerado com os “bichos”do jogo pintados. Com a roleta girando, punha-se a ficha no número ou “bicho”escolhido. E ganhando, escolhia-se o prêmio que estava lá exposto. Tinha coisas lindas. Quando fiquei noiva, o Anthenor arrematou um monte de coisas para nós. Tinha sorte o danado! Continua tendo, graças a Deus!

Meu pai não tinha dinheiro para que eu pudesse me divertir à vontade e comprar coisas que o meu apetite se satisfizesse. Se o dinheiro chegasse, quem sabe eu teria uma indigestão atrás da outra… Essas festas eram anuais e ao meu ver cada ano era melhor que o anterior. Aconteciam os acidentes, mas não dava para desmerecer o brilho nem o valor delas.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 13

Cheguei em Maceió em má hora. Tudo foi contra mim nessa viagem. Tia Gonda lá estava com o marido, o coitado Nicomedes. Vítima da tirania da vida e da mulher, era um homem doente, sem sorte. Inteligente ao extremo, se via na contingência de recorrer ao concunhado quando a fome batia à porta. E lá estavam eles vivendo às custas do meu avô e Idalina, que não tolerava tia Gonda nem as suas superstições.

Sinceramente não consigo entender como meu avô e Nicomedes nunca deram um basta naquele mal entendido das duas irmãs. Tudo era motivo para discussão e o ambiente carregado de influência negativa dava asas para doenças e outros bichos.

Assim mesmo ainda passei umas três semanas. Meu avô ia toda semana a Rio Largo, pois ele estava regendo a Banda de Música da Companhia Alagoana. Num domingo ele chegou com a notícia:

– Sabe que sua mãe não gosta mais de você?

Eu fiquei muda olhando para ele, esperando a razão dessa conversa boba. E ele continuou, não sei se feliz ou pesaroso:

– Ela adotou um menino. Está criando o José.

José Pinto, Celina, Iracema, Fernandina e Leonor - meados dos anos 20

Parece que na hora não acreditei muito na história, mas me apressei em voltar para casa na semana seguinte. Era verdade. Minha mãe tinha conseguido a cruz da sua redenção: José Pinto de Araújo Barros. Doente, pois sofria de bronquite asmática, pálido, barrigudo (tinha vermes até no caroço dos olhos), feio e devido à doença, mimado pela avó, d. Glória.

Antes de falar sobre meu irmão e filho da minha mãe , José, vou narrar um acontecimento que se passou em Maceió durante a malfadada viagem de segunda classe e que marcou a minha vida de menina tímida e simplória.

Estava lá em casa de meus avós, passando uns tempos a mulher de tio Odolino, Natália, para ver se ela se adaptava à família e à cidade. Ele havia se casado com ela em Florianópolis, onde estava servindo o exército (não confundir Natália com Isaura, com quem ele era casado desde os 15 ou 16 anos – não confundir alhos com bugalhos). Voltando ao casal: o meu tio estava no hospital e Natália ia todos os dias visitá-lo. Fui convidada para ir também. A nossa amiga Natália passou na confeitaria e lá comprou bombons, balas e biscoitos para o querido nubente. Não ganhei um para remédio. Nem da mão dele e muito menos da dela. Aquilo me deu uma raiva dos diabos.

Muito bem. Ao chegar lá começaram a conversar e malhar o que puderam da vida de Dola. Ela tinha um namorado, estudante de medicina, rapaz bonito, de boa família. Diziam os dois que meus avós não falavam nada porque o rapaz era rico, futuro médico etc e tal.

Aquilo foi de tal forma doído para mim que no outro dia, quando Natália me chamou para acompanhá-la, recusei.

Assim que ela saiu, com a pergunta da minha avó porque não quisera ir com a nora, eu, muito “ancha” do que estava fazendo, contei tudo. Desde as compras na confeitaria até a conversa no Hospital.

O resultado de toda fofoca é que, com a saída de meu tio do Hospital, a minha avó relatou,  censurando-o pela “calúnia” sobre o namoro da filha.

Não deu outra: ele, em Rio Largo, falou a minha mãe sobre o que havia feito a linguaruda. Minha mãe me chamou na frente do dito cujo, e eu confirmei, envergonhada do papelão.

A lição é mais do que óbvia: nunca mais passei adiante conversa de ninguém. Só não apanhei por não haver negado nada.

Contei toda história e não sei realmente se meu tio procurou compreender as razões e a atitude de uma menina de 8 anos, sempre relegada ao segundo plano pela família de sua mãe, com exceção talvez, de uma tia Idalina.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 12

Retornando aos anos da menina Fernandina, como minha mãe me chamava, sentia que algo me faltava para completar minha vida.

Sonhava demais com coisa impossíveis de se realizar. Talvez por isso comecei a ler muito cedo. Assim que aprendi a ler, lia tudo que me caía nas mãos. Lembro-me de um Natal quando ganhei um “Almanaque do Tico-Tico”. Livro grande, de capa dura, foi o meu maior deleite durante muito tempo. Poesias, histórias, brincadeiras dos personagens principais que eram também o motivo de me fazer sentir como um deles.

Papai comprava todos os anos um Almanaque editado pela Igreja Católica. Lia e relia o ano inteiro o grande livro, para mim “enorme”, pois ali continha desde anedotas, histórias em quadrinhos, história de Santos e etc… Tudo que uma menina solitária podia ambicionar.

Foi tudo o que fiz até os 8 ou 10 anos, entre brincar de roda, tomar banho de rio, ir de casa para casa de minha avó e vice-versa, o que não constituía grande esforço, pois ela morava do outro lado da rua.

O que mais me aborrecia era que só achavam de ter sede quando eu apontava na sala: “Fernandina, vai buscar um copo d’água.” Trazia e a outra falava: “Vai buscar um pra mim.” Aí eu não esperava o terceiro pedido, voltava às pressas para casa. Nas primeiras vezes, mamãe se admirava “Já voltou?” E eu respondia encafifada: “A gente chega lá e só pedem água…” No fim ela só dizia: “Já sei, lhe pediram água.”

Agérico Lins, 1933

Um belo dia meu padrinho-avô Agérico pediu a minha mãe para me levar a Maceió. Vestido novo, chapéu e mala de roupa, estava pronta a feliz menina. Na estação tive a maior decepção da vida: fomos de segunda classe. Não sei se vocês sabem, no carro de segunda classe os bancos são, ou eram postos, no comprimento do vagão, de costas portanto, das janelas. Para cúmulo do desconforto era o trem que chamavam “da feira”. Gente de todos os lugares, desde Quebrangulo, com cestas, sacos, galinhas, crianças, gente suja, suada. E mais ainda: para maior “conforto”dos passageiros colocavam um assento duplo no meio do carro. Senti-me tão fora de órbita que o meu desejo era voltar para casa. Fosse atrevida como sou hoje e teria feito um “banzé” lá mesmo, com meu avô. Enfarpelada de chapéu e vestido novo, metida naquele carro de segunda classe, foi a maior humilhação que se possa submeter a uma criança de 8 anos que estava tão feliz por viajar e pela perspectiva de ver a capital que para ela era o paraíso.

Ao chegar em Maceió, de noite, foi a primeira coisa que falei para minha tia Idalina. Ela se voltou para o pai e falou:

– Mas papai, o Sr. teve a capacidade de trazer a Fernandina no carro de segunda do “trem da feira”?

– E daí? Chegamos, não foi? É mais barato e chega de mesmo jeito.

Assunto encerrado. Neta mais velha, para eles, a Fernandina era a mesma que os fizeram passar a maior vergonha da vida: nascer antes da hora.

Nunca fui perdoada e o pior é que seguindo o mesmo preceito, não consegui perdoá-los também.

Dizem as Escrituras que nós recebemos o que merecemos. Infelizmente uma menina de 8 anos guarda essas coisas como se um ferro em brasa a marcasse para sempre. Se tivessem sido fatos isolados – quem sabe eu teria realmente esquecido o desamor a mim dedicado. Mais de uma vez, minha avó olhava para mim (eu já moça) e dizia:

– Como você é diferente da que foi na outra existência. Laura era branca, cabelos claros. E bonita!

Laura havia morrido aos 14 anos. Minha mãe a conheceu como também a família toda e se davam muito bem. Em Fernão Velho todo mundo se conhecia – era uma grande Vila Operária. Laura praticamente se suicidara. A ignorância é um mal terrível. Foi proibida de comer coisas que não devia (não sei do que sofria) mas não atendeu a ninguém. Suspendeu-lhe as regras e os pulmões não suportaram o impacto e foi-se a futura Fernandina. Antes da reencarnação, o espírito foi doutrinado no Centro Espírita Vicente de Paula, em que meu avô era o presidente doutrinador (por sinal, muito bom). As oportunidades se sucederam para nossa redenção, mas aproveitá-las é um processo demorado e muitas vezes inútil. O preconceito, o orgulho familiar, a pequenez espiritual dá um mergulho tremendo na escuridão da ignorância e eis-nos regressando ao pretérito para recomeçarmos e fazermos sofrer.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 11

Com a realização do religioso, o casal foi morar com os pais dele em Maceió. O tio trabalhava lá, era empregado em uma loja e o que ganhava não dava para alugar casa e sustentar a mulher. A Gilda sofreu que só suvaco de aleijado na casa dos sogros. Não era fácil viver com a d. Anísia. Tinha uma carência de afeto enorme. Não sei se devido à pouca idade, certo é que o isolamento em que vivia devia afetá-la profundamente. O amor do marido devia ser uma mescla de tolerância e piedade pela menina-moça que lhe impingiram como esposa. O mais compreensivo era meu avô.

Nesse meio tempo, meu tio perdeu o emprego. Resolveram vir para Rio Largo. O sogro (Sr. Ramiro) lhe montou uma mercearia. Primeiro, para facilitar a vida do casal, foram morar todos juntos. Quando nasceu a primeira filha, creio que o tio Zé Maria já estava “cheio” da convivência com os sogros. A casa era pequena, com dois quartos e a sala tinha sido transformada em mercearia. Além disso, tinha um corredor, sala de jantar, cozinha, banheiro e um pequeno quintal.

Viver com a minha avó não foi fácil para a Gilda e viver com os pais dela naquele ninho deve ter dado a ideia ao meu tio de um condenado.

O Sr. Ramiro era um bom homem, coitado, mas não tinha muito o que se chama ainda hoje de educação doméstica. Não entremos no mérito da questão, mas o casamento Ramiro-Mariazinha só se realizou pela vontade férrea da noiva. Cachoeira em peso se admirou da coragem dela. Eram três ou quatro irmãos e o pai na Fábrica de Tecidos. D. Mariazinha era professora primária. Fez de tudo para que, pelo menos, ele soubesse se vestir. Gordo, barrigudo, camisa fora das calças, moreno, feições mais para feias, era aquilo que o mineiro diria: coitado, tão sem graça!

Ela não era melhor em beleza, mas se vestia corretamente. Com o pouco que ganhava como professora e o açougue do marido, criaram a menina Gilda da melhor forma possível. Não frequentou colégios porque lá em Rio Largo nem isso tinha (anos depois instalaram o Colégio Batista ao lado do Templo, mas mesmo assim tenho certeza que ela não teria ido, devido à religião). A própria mãe-tia foi quem lhe ensinou e a inteligência da menina completou o que ela mais necessitava.

Mas, como dizia, o meu tio se via encurralado. Não fosse a bondade e meiguice da mulher, ele teria jogado tudo para o alto. Depois de um tempo, junto com o pai de Gilda, ele conseguiu, não sei por qual arte (pois dinheiro era manga de colete), montou ele próprio uma bodega, venda ou mercearia, ou sei lá que nome tenha. Lá tiveram três filhos que Deus na sua infinita bondade levou com meses de nascidos. Só ficou Selma, a neta que veio preencher a lacuna que Gilda havia deixado em casa dos pais.

A sorte da nossa Gilda é que havia em casa de D. Mariazinha, uma empregada que se afeiçoou enormemente a todos eles. Ela, Juventina, tinha uma filha que se chamava Antônia, que era a pagem da Selma. Essa Juventina, por apelido, Puti, foi o anjo bom da mãe de Selma.

O tio Zé Maria, não suportando mais a lida de merceeiro, resolveu entrar para a Fábrica de Tecidos. Conseguiu e não sei realmente se a vida, com relação ao dinheiro, melhorou.

D. Mariazinha continuava ajudando e a vida da Gilda era a tristeza de sempre. Ela não fazia confidências, mas o jeito dela, apesar da alegria que demonstrava, era de quem não tinha motivo para ser feliz. Quando chegou a doença para a pobre coitada, eu já era casada e morava em Maceió. Tio Odolino por essa época estava lá de passeio na casa da mãe. Depois de idas e vindas de Rio Largo para Maceió, foi constatada a verdadeira causa dos gânglios no pescoço da pobre Gilda. O médico achou que ela ficaria melhor morando em Maceió e veio então, com o cunhado e a Juventina, para seguir o tratamento necessário daquela época. A tuberculose levou 9 meses para levá-la. Nesse tempo todo, o marido veio vê-la uma única vez e a filha, trazida pela avó, duas vezes, senão estou enganada. Com a Gilda morta, deu-se o maior drama da pequena família. O tio Zé Maria voltou a morar com a mãe (morava com minha avó em Rio Largo desde que ela ficou viúva, mais a tia Gonda). E por raiva da sogra, amor pela filha ou falta de caridade, levou com ele a única alegria que restava na vida dos dois (D. Mariazinha e Ramiro).

Selma, Rio Largo, 1945

Em pouco tempo, dois anos talvez, sucumbiu de sofrimento com a separação da neta, a avó de Selma, d. Mariazinha. Morta a coitada, a vida da Selma foi o que se costumava dizer: “aquela água”. A pobreza da minha avó Anísia, o zelo excessivo que se tinha pelos jovens, o abuso do poder dos mais velhos e o desprezo que existia para com os avós maternos da menina, tudo isso junto, deu para que ela esconjurasse a vida que levaria daí por diante. A revolta, a mágoa, a falta da abundância que não existia em sua nova residência, tudo influiu para a infelicidade da criatura órfã de tudo, até de amor. Não soube, com o tempo, compreender a necessidade do sofrimento e com isso não soube perdoar a ninguém que contribuiu para o seu desprazer da vida.

Quando vovó Anísia teve que recorrer à sua tolerância para suportar-lhe a velhice, foi com desespero que aceitou o cargo. A infeliz mulher não tinha para onde ir. Quem ajudou-a na doença foi Benedito, o marido da neta. Os encargos da família (Selma teve cinco filhos), obrigada a trabalhar fora de casa para ajudar no orçamento precário do marido e ainda suportar a doença-velhice da pobre Anísia, era demais para os nervos da Selma. Mesmo com a ajuda do marido, era terrível para ela que, na sua auto-crítica, não existia maior sofredora.

Mais um casamento idiota, mais uma fracassada união.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 10

Zé Maria, 1926

O casamento da Idalina foi um desastre, como já contei, o da tia Haydée um desastre e meio.

Mais um que também se pode dizer que foi um fracasso, aconteceu ao tio Zé Maria, irmão de minha mãe.

Não sei bem se o fracasso foi para ele ou para a querida Gilda, que deu o melhor de si para que desse certo aquele casamento, que eu, particularmente, qualifico de sem graça. Eis a história:

Gilda teria de 13 para 14 anos. Era morena clara, cabelos pretos e olhos pretos, grandes e expressivos. Simpática, educada, inteligente. Era também boa filha e boa amiga. Seu nome era Astrogilda mas era simplificado para Gilda. Era sobrinha e filha adotiva de uma professora, d. Mariazinha e seu marido Ramiro Cardoso. Em Rio Largo, como aliás toda cidade pequena, todo mundo se conhece e priva da intimidade uns dos outros. A diferença de idade entre nós duas seria no máximo de 3 anos.

Como o tio Zé Maria vinha muito à nossa casa, o namoro começou logo, sério da parte dela e para matar o tempo da parte dele. Meu tio era de pequena estatura, olhos meio puxados como de chinês, alegre, insinuante com as moças, principalmente quando elas lhe davam atenção. Não creio que Gilda tivesse alguma esperança de um dia casar com o dito cujo, mas como o coração é terra que ninguém vai, sabe-se lá o que ela sonhava!

Um belo dia a mãe verdadeira da nossa heroína resolveu tomá-la de volta da mãe adotiva que era na realidade sua própria irmã. A desculpa era que o pai iria com toda a família para São Paulo e queriam levar a Gilda com eles. D. Mariazinha e Sr. Ramiro só faltaram ficar loucos. Eles criavam a menina desde pequenina (nunca tiveram filhos seus). D. Mariazinha pediu à irmã a criança logo que ela nasceu e confiou que a “abençoada” mulher jamais pediria de volta a sua adorada filha. E o impasse estava criado. Ou ela entragaria de volta a mocinha, ou a irmã iria à Justiça.

Desesperada, d. Mariazinha recorreu a meu pai para que a aconselhasse. Meu avô Agérico estava lá em casa na ocasião e o conselho de ambos, meu pai e dele, é que ela fosse falar com o Intendente (uma espécie de prefeito). Eu fui enrabixada com eles. Meu avô, d. Mariazinha, tia Ester, Gilda e eu. O parecer do Sr. Antonio Vaz de Castro era que ou ela entregava a menina ou teria que casá-la para poder conservá-la. Devido ela ser de menor idade não havia outro recurso. Meu avô sabendo do namoro do filho com a Gilda disse que, se era só isso, estava tudo resolvido: a menina se casaria.

Nessa mesma tarde meu avô seguiu para Maceió para falar com o filho, enquanto tia Ester e d. Mariazinha foram de carro até Pilar buscar a certidão de nascimento da Gilda.

Foi um corre-corre para homem nenhum botar defeito. D. Mariazinha escreveu para a irmã em Fernão Velho pedindo que esperasse um pouco até ela resolver o que faria (a mulher tinha pedido 8 dias de prazo). Com a boa vontade do Intendente e a simpatia do Juiz de Direito o casamento se realizou em menos de 15 dias. Até aí tudo bem. Mas como a Gilda era menor, tiveram os dois que esperar 1 ano (de janeiro a janeiro), para a celebração do casamento religioso. O noivo ia e vinha de 8 em 8 dias para noivar. Ficaram chuchando no dedo 12 meses. Acredito que nem um beijo trocaram.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 9

O segundo casamento mal recebido foi o do tio Getúlio. Minha avó nem queria ouvir falar. Namorou a Sinhá um par de anos. Ela, nascida Sebastiana, era filha de d. Santa (Santina) e o pai Sebastião Mello, que vivia de “panete” levantado, não parava em casa. Só aparecia por uns meses, deixava um filho na pobre coitada e sumia lá pelas bandas do Norte. O filho mais velho, José Luiz era o “cu”da preguiça. Também herdou o “faniquito”do pai. Mentiroso, adorava contar bravatas, seduções até em mulheres casadas. Vinha depois Oswalda, a tirana da casa. Todo mundo tinha medo dela. Alta, muito branca, cabelos longos e claros, bordava muito bem – ela e Sinhá bordavam para ganhar uns minguados mil réis e ajudar a mãe costureira/alfaiate.

A Oswalda tinha mania de limpeza e de ordem. Era chamada de Vale por todos. Geralda, a Dina, morena, miúda, olhos e cabelos pretos, era alegre por natureza, apesar da vida dura. Casada com Quincas (Joaquim), marceneiro de profissão, trabalhador ao extremo, tinha um grave defeito: não tomava banho. Bem se diz que mulher só não casa com sapo porque não sabe qual é o macho. Só as provas espirituais explicam certas uniões entre homem e mulher. A Dina era uma bonita morena e simpática. Tiveram 4 filhos. Todos tinham a cara angulosa do pai. Não era mau homem. A ignorância faz do homem um ser à parte. Desgracioso, meio corcunda, o pó da madeira devia lhe grudar nos cabelos, sem falar no corpo. Dormir com o infeliz não devia ser fácil. Para completar, o aspecto de tísico lhe dava uma cor cerosa.

Enquanto eu, menina, não saía da sala da casa da d. Santa, raramente passava da sala da casa da Dina. Em frente era a oficina da marcenaria e lá ficava eu horas inteiras vendo os homens e os aprendizes plainarem, serrarem, colarem, montarem as peças que se transformavam em cadeiras, mesas, armários, camas… era um nunca acabar de movimento e a menina curiosa achava o máximo.

Euzébio

Depois da Dina vinha Eutíquio, Euzébio e Magnólia. Eutíquio largou a cidade e foi para o Rio de Janeiro ser marinheiro. Conseguiu e se deu muito bem. O pobre do Euzébio, marceneiro como o cunhado, que lhe ensinou tudo o que sabia, foi o sacrificado para assumir a responsabilidade da família. Mais não fez porque não pode. Quase sem estudo, não teve vagar para aspirar coisa melhor.
Sinhá era a terceira filha da casa. Humilde e simples, não era o que se pode chamar de beleza. Tudo fazia para agradar a ranzinza futura sogra e nunca conseguiu. Muitas lágrimas derramou fazendo confidências à minha mãe. O mais de admirar era que a ojeriza da vovó pela coitada da Sinhá se transmitia para tia Haydée, moça já precisando também do apoio de amigos e familiares para o seu torto namoro, noivado e casamento.

Magnólia, 1936

Tem coisas nesta vida que a gente, por mais que tente, não consegue entender. O orgulho e o preconceito superam o sentimento da tendência amorosa que se deve ter para com aqueles que devemos aceitar e amar. Pelo bem do filho Getúlio, que tudo fazia para suprir as necessidades da família, era que deviam ter procurado compreender o espírito nobre daquela que era simplesmente Sinhá. O casamento só se realizou depois que tio Getúlio começou a trabalhar na fábrica, onde o irmão conseguiu localizá-lo.

Da filha mais moça, por enquanto direi apenas que era minha companheira de folguedos. Era mais velha do que eu um ano, gordinha, bonita, simpática, cabelos castanhos e olhos idem. Magnólia era mimada por todos da família.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 8

Recordando os casamentos da família da qual faço parte, é com admiração que noto quanto eles foram mal apreciados. A começar pelo dos meus pais, Regina e Fernando. Conheceram-se em Fernão Velho, cidade operária pertencente ao município de Santa Luzia do Norte. Meus avós paternos moravam lá pela força do trabalho do filho mais velho, Fernando. Com 24 anos já era gerente da estação da estrada de ferro Great Western Brasil Rawley. Começou como telegrafista e logo subiu de posto. Autodidata, era o orgulho da família, principalmente da mãe, que o via como a um deus.

Os meus avós maternos foram para Fernão Velho mais ou menos no começo de 1912. O meu avô era maestro. Havia vindo de Passo de Camaragibe para Maceió como tenente da polícia, regendo a banda de música da tal corporação. Saiu para ir trabalhar no Tesouro do Estado e por saberem da sua capacidade como maestro, foi convidado pelos donos da fábrica de Fernão Velho (Família Machado) para organizar e reger a banda de música do Centro Operário. E como a distância de Fernão Velho era apenas de 10 ou 15 minutos de trem, ele achou por bem levar a família para lá. Só o avô ficava em Maceió durante o dia no trabalho. De tarde ia para Fernão Velho e de manhã ia para Maceió. Devia ser cansativo, mas nessa época ele deveria pegar um touro pelo rabo.

Banda Masculina da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos, regida pelo maestro Agérico Lins, avô materno de Fernandina.

Regina, com 14 anos, ainda ficara em Maceió em casa da avó Emília. Em um mês ou dois, viajou para ficar com a mãe e os irmãos. Foi com o tio Macário, irmão mais moço da minha avó. Ao saltar do trem, na plataforma, a meia lhe deslizou pela perna e ela se curvou para arrumá-la. Neste momento Fernando a viu e achou que aquela menina era a coisinha mais linda que ele já vira. De baixa estatura, cheinha de corpo, cabelos pretos, branca e corada, era um postal para qualquer rapaz que a olhasse e admirasse. Fernando pensou que o tio fosse seu namorado, mas a irmã Ester, que logo foi visitá-la, deu notícia da verdade. Macário era apenas tio. Muito moço sim, mas não passava de parente. E logo o namoro começou. Devido ao escândalo provocado pelo irmão Odolino, saíram mais cedo do que esperavam de Fernão Velho.

Odolino com 16 anos se armou de homem e seduziu a namorada Isaura. Daí apareceu o indesejável filho para desgraça, não da pobre menina e sim, da nobre família Lins na pessoa da minha avó. O pai de Isaura foi em casa do rapazinho e narrou o acontecido. Minha avó disse que nada se podia fazer devido a pouca idade do (safado) querido filho. A menina tinha 15 anos, talvez. O pai dela exigiu o casamento e meu avô aceitou. Enquanto se preparava os papéis para o enlace, Anísia com toda a sua fúria, foi à Capital providenciar o alistamento do filho no exército. Não se sabe como, mas a verdade é que apesar da idade, logo depois do casamento, Odolino foi incorporado no 20º Batalhão de Caçadores. Não nasceu para aquela vida. Quando se reformou, já em Santa Catarina, ainda era 1º sargento.

Fernando, pai de Fernandina, na praia com acompanhante não identificada

Voltemos ao namoro Regina – Fernando que é o que nos interessa agora. O pai Agérico arrumou emprego em Pilar como maestro, e para lá foram de malas e bagagens. Já não era possível o pai viajar todos os dias para ir se juntar à família, Pilar ficava fora de mão. Não havia estrada de ferro e então ele passou a ir de 8 em 8 dias. Fernando, para ver a noiva (se tornaram noivos antes da ida para Pilar), ia de bicicleta. A estrada era manga de colete, era o que chamavam trilha de cabra. Tanto era assim que ao voltar uma noite, ele se perdeu. Sem direção, morrendo de fome e sede, amanheceu em pleno Tabuleiro do Pinto. Para matar pelo menos a sede, urinou na mão e bebeu. Não acredito que tenha satisfeito a necessidade, mas como dizem que a fome tem cara feia, a sede tem mais ainda. No Tabuleiro não havia uma gota dágua. O solo rachado pelo sol inclemente não medrava nem mandacaru.

Preocupava-se cada vez mais com a própria situação financeira e com o sofrimento da noiva, cuja vida não era fácil em casa dos pais. Encarregada do serviço mais pesado, não tinha folga nem para se divertir um pouco. Desde menina, nem brincar de roda com as outras crianças lhe era permitido. Saiu da escola aos 10 anos de idade para ajudar a mãe nos misteres da casa. A mãe teve 18 filhos e ela como filha mais velha assumia todo o encargo, não só da cozinha como de todo o resto. Encarado do ponto de vista amoroso os dois se bastavam. E o amor foi tão grande que chamaram a filha antes da hora.

Pouco tempo depois a família saiu de Pilar e foi morar em Maceió. Lá descobriram a gravidez da pobre menina e trataram da celebração do casamento antes que o escândalo estourasse de uma vez. Mesmo desempregado, Fernando se casou e levou a envergonhada mulherzinha para casa dos pais, onde ela encontrou amor e compreensão. Não foi nem um pouco fácil a situação da Regina, envergonhada e tímida como era, saber que as más línguas a apontavam como a pior das mulheres. Se não havia fartura de alimento, havia fartura de amor dentro do lar pobre e simples que a acolheu.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

das fotografias recolhidas das gavetas

Fernandina aos olhos de Anthenor, 1930.

Ontem visitei a vó e aproveitei para recolher inúmeras fotografias do nosso álbum de família. De repente eu me vi diante das imagens da minha bisavó Anísia, das tão famosas tia Ester e tia Haydée e até mesmo de uma fotografia da vó Fernandina e do vô Anthenor juntos na beira do rio, em Rio Largo, na flor da adolescência (aguardem que logo mais ela será publicada).

Assim que cheguei em casa, não me contive e digitalizei as imagens. Tomei a liberdade de incluir algumas delas em textos já publicados, por isso convido vocês a espiarem os textos abaixo e visitarem nossos parentes mais antigos que permeiam esse diário.

Descobri um detalhe lindo: as imagens da vovó com 14/15 anos foram feitas pelo vovô. Quem é da família ou amigo próximo sabe que a adoração que ele tinha por ela nasceu no dia em que ele chegou a Rio Largo e a viu pela primeira vez. Isso foi em outubro de 1924.

Demorou muito tempo para que Fernandina soubesse desse amor secreto. No entanto, há uma coleção de retratos que ele fez dela, em diversas poses e lugares de Rio Largo. São lindos retratos, fiquei imaginando como deveria ser emocionante para ele ter a chance de eternizar a garota que ele amava através de fotografias.

Imagens puras e belas, verdadeiros poemas dedicados à menina Fernandina. Como se ele estivesse sutilmente cultivando e cultuando seu amor a partir desses retratos. Não sei se ele imaginava que um dia estaria ao seu lado e viveria esse romance com tanta beleza, mas não é lindo como se permitia sonhar?

E que bom que sonhou tão alto, somos todos fruto disso.

Memórias da Vovó Dina – parte 7

Não posso deixar de desviar da narrativa principal da minha conversa com vocês, senão contar a vida daqueles que foram as testemunhas chaves da minha vida. Sem eles a vida da sua mãe não seria possível. Ninguém vive só. Devi muito a todos. Favores e ajuda. Ou eu não estaria viva.

Tia Haydée ficou em Rio Largo onde lhe nasceu o filho. Ajudada por toda a família e pela sua moral ilibada venceu em toda a linha.

Depois que nos mudamos da casa dos meus avós paternos, os nossos tios e avô maternos passaram a vir nos ver. Quem mais vinha era Idalina, a quem eu chamava de Dola. Era alegre, simpática, gostava de se vestir bem, adorava tirar retratos, dançava muito bem, lia muito, tinha uma linda letra que nunca consegui imitar. Meio desafinada para cantar, estava pouco se incomodando com isto. Era, enfim, uma feliz criatura e tinha o dom de alegrar qualquer ambiente. Os pais a adoravam e talvez por isso ela tenha se tornado um pouco irresponsável pelos seus próprios atos.

A família do tio Zeca (pai do Juraci) era composta de dois irmãos: José e Manuel Vicente Fernandes. O Sr. Manuel, pai do tio Zeca, tinha quatro filhos: Mãezinha (nunca soube o nome), José Vicente (tio Zeca), Abdias e Manuel, conhecido como Paizinho.

O outro José Vicente tinha dois filhos: José Vicente Fernandes Filho (como veem, a variedade de nomes é perfeita) e Luiz. O Sr. José Vicente era o rico da família, o Manuel Vicente era o pobre. Vivia sob a proteção do irmão, o qual fez de tudo para ajudá-lo. O homenzinho era avesso ao bem estar e nunca o irmão conseguiu melhorá-lo.

O Sr. José Vicente morava numa bonita casa com jardim e o irmão numa pobre casa, quase uma tapera. Os filhos do Manuel pouco o ajudavam e o outro por sua vez, mandou o filho mais velho (o José Vicente Filho) estudar em Recife. E isto, podem crer, era sinal de riqueza. O desvio da minha história era para contar um pouco da família Vicente Fernandes, mostrando a coincidência na vida de duas criaturas perfeitamente diferentes, mas que no fundo se uniram para sofrer por amor.

Idalina, Rio Largo, 1926 - cartão postal enviado "Ao Snr. José Vicente Sorinho e sua Senhora" com a dedicatória: "Ao Leca e sua Senhora offereço a minha photographia como prova de estima. Idalina, 21-11-926"

Enquanto tia Haydée, na sua beleza serena e simples, se apaixonou pelo belo Zé Vicente, avesso ao trabalho e ao progresso material e espiritual (não avançou um passo na sua evolução), a tia Dola se apaixonou doidamente pelo outro José Vicente, mais conhecido como Juca. Uma paixão sem futuro pois além de estudante era filhinho de papai rico que lhe fazia todos os gostos e desejos. Viviam se escrevendo e mandando poesias e sonetos, como era moda naquela época. Não lembro quando isso começou, mas sei que foi depois do casamento da tia Haydée. Ele era um bonito rapaz. Moreno, alto e magro.

Os namoros simples daquele tempo eram apenas de olhadas, sorrisos e quando muito, apertos de mão. Um belo dia ela soube que ele estava namorando umazinha, filha de uma costureira que morava em frente a ele. Não faltam os maledicentes do leva e trás e nossa Dola entrou em desgosto profundo. Brigaram, ele disse que era mentira, que o povo falava demais, etc, etc. É pena que a minha memória seja tão curta pois eu saberia dizer quando o nosso Juca veio de férias e não mais voltou. Estava seriamente doente e em pouco tempo a tuberculose o levou. Idalina nunca o esqueceu. Quando falava nele, seus olhos enchiam de lágrimas.

Anos depois casou com um sargento do exército, pernambucano, chamado Carlos (o sobrenome me foge). Ninguém da família aceitava esse casamento, mas a moça bateu o pé e casou. Quatro ou cinco anos depois se separaram. Ela ainda teve um filho falecido logo depois do nascimento. O marido bebia muito e dizem que era até viciado em drogas. Ela nunca falou nisso e proibiu até de falarem no nome dele. Senão era para falar bem, não dissessem nada. Caprichou no casamento. Teve damas e garçons de honra. Meu pai vestiu fraque. As damas de vestido armado, meio longo, branco. Uma tiara na cabeça e nas mãos um arco florido para que os noivos passassem por baixo. Os rapazes também vestidos de branco, segurando a outra ponta do arco, davam ao ato um sonho de cinema. Eram seis damas e garçons.

Isso em Rio Largo foi um grande acontecimento. Ela não quis casar em Maceió. A verdade é que ninguém da família ficou sabendo o porquê daquele casamento, se era para esquecer o Juca ou para não ficar solteira. O tio Odolino, vindo para o casamento (ele morava em Santa Catarina), tudo fez para que ela acabasse aquela doidice e fosse com ele para Florianópolis. Não quis. Casou minha tia Idalina e não foi feliz também como a outra. A mãe, vovó Anisia, foi a quem mais sentiu o casamento da filha. Depois da separação do casal votou ao infeliz um rancor enorme. Só não extravasava demais seu sentimento porque a capacidade de perdão da filha a desmoronava por completo.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 6

Nessa época morreu minha bisavó, Dindinha Emília, como a chamávamos. Lembro-me da sua beleza e mansidão. Aliás, era a maior característica. D. Anísia, que de mansa não tinha nada, talvez por ter feito um casamento sem amor, era enfezada, brava. Trabalhadora ao extremo, não tinha quem lhe ajudasse no serviço caseiro, pois não gostava de empregada. Lavava, passava, cozinhava e cuidava da casa.

Idalina, Rio Largo, 1924.

Minha mãe, enquanto solteira era dona do grosso do serviço. Depois tudo passou às mãos da minha avó, que ainda tinha tempo de costurar as camisas do filho José Maria e do marido. Aliás não eram só camisas, as ceroulas também. Ela não morria de amores por mim. Não sei se por ter tido pressa em nascer, a verdade era que eu sentia, sabia lá no meu coração que ela vivia para os dois filhos: Odolino, o mais velho e Idalina, a mais jovem deles.

Quando pelo casamento de minha mãe, Idalina tinha 8 anos. Tia Haydée e ela eram da mesma idade. Nunca conheci duas criaturas tão diferentes em gênio. Não eram parentes, é verdade, mas podiam ter sido amigas. A tia Haydée era sisuda, calada, não sei se por timidez ou pelo modo que foi educada. Era o dodói da minha avó. Não cantava, não dançava, não gostava de sair da casa.

Aos 18 anos casou com um rapaz sem ocupação. Já estavam noivos quando ele foi chamado para o exército (sorteado, como diziam). Não sei se tiveram medo que ele ficasse lá por Maceió, a verdade é que se casaram na casa dos meus pais. Casamento simples mesmo porque as posses eram poucas. Quando ele, o Zeca, foi elevado a cabo, veio buscar a mulher. Não era, como disse, uma mulher alegre. Ao contrário do marido, que era a alegria em pessoa. E sem juízo também. Para ele tudo era fácil. Cantava e dançava muito bem. Bonito e simpático. A par de tudo isso, tinha pouca inspiração para o trabalho. Era um verdadeiro artista no desenho e na escultura. Sabia copiar uma partitura musical como poucos, muito embora não conhecesse uma nota.

Fernandina e Idalina na praia

Fez todos os móveis da casa que um dia montaria. Cama, penteadeira, mesa de jantar, cadeiras, guarda roupa e etc..

Aproveitado na devida hora teria vencido na certa. Infelizmente ninguém nunca conseguiu domar os “diabinhos do sótão” do querido tio Zeca. Quando deu baixa do exército, o cunhado (papai) lhe arrumou trabalho na fábrica. Foi nesse período que fez os móveis. Quando veio a revolução de 30, ele foi chamado para se apresentar como segundo tenente. Nunca recebeu um tostão dos proventos e continuou a trabalhar enquanto a mulher mourejava na máquina de costura. Ela que já havia perdido a primeira filha com 6 meses de idade, na ida dele para as fileiras teve um aborto de 3 meses.

Um belo dia, ou melhor, uma bela noite, disse à mulher que ia ver um negócio e não mais voltou. Ela passou a noite em claro esperando. Às cinco da manhã chegou em casa do meu pai perguntando o que devia fazer…

É esta a história do pai do Juraci, José Vicente Fernandes Sobrinho. Seis meses depois nascia o resultado de tanto amor frustrado e tanta desesperança. Ela voltou de mala e cuia para a casa dos pais para receber de vez em quando umas alfinetadas por parte da mãe e de irmã. Se já era introvertida, mais ainda ficou pois a má sorte é um carma desesperador. O que sustentou o ânimo da criatura foi a fé que ela dizia inabalável, verdade insofismável. Não fosse isso e ela teria sucumbido, embora o filho que trazia no ventre. Ele escreveu várias vezes e chegaram inclusive a marcar viagem para que ela fosse morar na Paraíba. Não sei se foi o que tia Ester lhe disse ou se foi o bom senso quem venceu a dúvida. Ele morreu (foi assassinado em Recife), o filho tinha 3 anos.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

álbum de família


tio Getúlio, tia Haydée, vovô Fernando, vó Maria, tia Ester, mamãe Fernandina (vovó Dina) e vovó Januária (sentada na frente) - Maceió, 1947

Enquanto reviso o diário da minha avó, estou digitalizando e identificando fotografias do álbum de família. Felizmente, algumas trazem anotações feitas pela minha tia Anajas, portanto as legendas são referentes ao parentesco da geração dos meus tios e minha mãe com as pessoas que aparecem nas imagens.

Memórias da Vovó Dina – parte 4

Até aos 8 anos não me lembro de ter voltado à casa de meus avós. Devo ter ido, pois fui batizada na Igreja de Nossa das Graças na Levada, bairro onde os velhos moravam. Mamãe na sua ingênua bondade os convidou para serem meus padrinhos. Seria um modo de pedir perdão por ter apressado a minha vinda ao mundo. Minha avó deu a desculpa de ter feito uma promessa, não sei a que santo, de não batizar criança nenhuma. Cedeu o lugar para a Nossa Senhora das Graças e meu avô exigiu a troca do meu nome. Se tivesse que ser Fernanda como minha mãe queria, ele trocaria na hora por Bernarda. Por muito favor aceitou Fernandina.

Quando meu pai, pela graça divina, conseguiu emprego na Fábrica da Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos estava eu com 5 anos. Era 1920 e o pós guerra nos trouxe de cambalhota tudo que era doença ruim. A pior de todas, talvez, foi a célebre espanhola. Minha mãe quase morre e eu quase lhe seguia os passos.

Ester, 1922

Dessa terrível fase me lembro da tia Ester me chamando para que eu visse uma bonita boneca de louça de sua propriedade. De olhos fechados teimava em não abri-los, o que só conseguiram com a boneca. Tempos depois ganhei de uma amiga da família um boneco (chamavam cafunga) de celulóide, grande, de olhos de vidro azuis. D. Henecila tinha dois filhos e nenhuma filha. Talvez por isso se afeiçoou a mim e me presenteou de modo tão gentil. Minha mãe fez para ele duas roupas de seda: uma vermelha e outra azul. Com touca, sapatos de crochê. Uma beleza! Só havia um senão: eu não gostava de brincar de bonecas. Achava aquilo cansativo. Decerto por ser sozinha, não achava graça em estar sentada no chão mexendo com bonecos, cadeirinhas, camas e etc.

Ganhei depois do meu tio José Maria, uma linda caminha de ferro, de armar e desarmar. Um luxo. O problema era que o boneco de celulóide era grande demais para ela. Bonecas de pano me agradavam pouco. Armava os brinquedos no corredor e lá deixava. Era um custo para guardá-los. Precisava minha mãe se zangar de verdade.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 3

vov—ó An’ísia

Minhas viagens a Maceió eram poucas. A primeira que fiz foi com minha mãe, ainda bebê. Me apareceu um inflamação nos olhos que não houve remédio caseiro que curasse. Dizia minha mãe que era a única beleza que eu possuía e assim mesmo estava a pique de perdê-la. Depois de algum tempo (não sei quanto), ela resolveu com todo o sacrifício, pois dinheiro era manga de colete, me levar a algum oculista na capital. Na casa dos meus avós maternos – minha avó Anísia, avô e padrinho Agérico e os tios Idalina e José Maria. Acrescido das presenças de tia Gonda e seu marido Nicomedes. Este último foi a criatura melhor e mais paciente que conheci. Sem sorte na vida e ainda teve o azar de escolher a profissão de pintor. Se hoje não dá nada, calcula naquela época, 1900 e danou-se. Quando o azar batia feio na porta eles arrebanhavam as tralhas e pousavam durante tempo indefinido na casa pouco se lixando para a inimizade das duas irmãs.

Minha avó não conseguia perdoar a irmã que, por ocasião de seu nascimento tinha sido obrigada, aos dez anos de idade, a se retirar da escola para tomar conta da casa. Ela, Anísia, era a mais velha de 6 irmãos: Onizina, Hildegonda, Fontino, Artur, Macário. Não sei se tia Gonda era a mais nova. Só sei que esta mágoa, ou melhor, raiva contida, perdurou enquanto viveram. O pior é que quis o destino que sempre vivessem juntas. Mesmo viúvas (no mesmo dia, uma em Maceió e a outra em Rio Largo), passaram a viver como cão e gato uma ao lado da outra.

Mas….voltando a nossa história no caso da minha doença nos olhos. Em Maceió, minha avó descobriu que a doença era um brabo quebranto. Curou minha avó e tia Gonda e voltamos, minha mãe e eu tendo passado no médico. O mau olhado tinha sido curado e a “bela” criança (Deus que me perdoe o “bela’), havia voltado ao normal.

Fiz outra viagem com meu pai aos 2 ou 3 anos de idade. Ele ia dar conta do seu serviço em Maceió. Era representante da Singer por aquelas bandas de Rio Largo e adjacências e não sei se por vontade dele ou de minha mãe, o certo é que fui com ele. No comércio me embelezei por um guarda-chuva pequeno e abri o berreiro. Queria porque queria um “gada-chuvinha”. Meu pai que não podia com um gato pelo rabo, ficou em palpos de aranha para consolar o “querido” rebento. Depois chegou a vez de fazer xixi. Para um homem moço (teria uns 27 anos) se ver atropelado por uma criança nas ruas da Capital, o negócio não era nada fácil nem simples.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)

Memórias da Vovó Dina – parte 1

O Agnaldo e minha nora Shirley me pediram para que eu escrevesse sobre minha vida. Eu me pergunto… Sobre o que deverei escrever? Fui uma menina tímida e comum. Sonhei muito com coisas que sabia nunca possuiria. Sempre senti que me faltava algo mas, até hoje não descobri o quê.

Nasci na casa de meus avós paternos. Fui uma criança feia, quieta, calada. Aos 5 anos nos mudamos para nossa casa, pois até aquela idade morávamos na casa dos velhos avós. Meu pai casou desempregado e minha mãe era apenas uma menina de 17 anos inexperiente. O que a sustentou foi o seu valor moral, a sua paciência, a sua capacidade maravilhosa de conviver com os outros. Quando ela chegou lá, em novembro de 1914, já encontrou minha avó Januária, meu avô Manuel, tio Getúlio, tia Ester, tia Haydée (menina de 9 anos) e mais tarde tia Bertolina, irmã do meu avô. Com a morte da mãe, ela recorreu ao seu irmão mais velho. Chegaram mais, pelo casamento, minha mãe e a filha que chegaria em 26 de fevereiro de 1915. Dois anos depois, no dia de São José, 19 de maio, nasceria mais uma menina que morreu com 26 dias. De nascida.

O meu pai na sua ociosidade, procurava trabalho aqui e ali. Mas o que podia fazer um homem numa cidade como Rio Largo nos idos de 1900, senão esperar que Deus mandasse de presente alguns tostões? Trabalhava o irmão, tio Getúlio, como alfaiate, tia Ester fazia filó e minha avó costurava roupa de homem como camisas, ceroulas e ajudava meu tio quando aparecia o freguês e vestidos também, se tinha ocasião para tal.

Acredito que só não passamos fome. O negócio era minguado de verdade.

Quando fiz 5 anos, meu pai, por intermédio de um amigo, conseguiu trabalho na Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos.

Daí em diante as coisas começaram a melhorar. Mudamos para uma casa do outro lado da rua. Casa esta, considerada uma das bonitas e melhores da rua do Coqueiro. Do lado direito da nossa casa existia um beco o qual dava para o rio Mundaú. Da sala de jantar se descia por uns degraus que terminavam no beco e seguia direto para o rio. Lá se tomava banho, lavava a roupa, pescava. Não dava para pescar muito por causa das pedras que eram demais. Quando chovia e o rio enchia, aí então é que a cidade fazia jus ao nome: Rio Largo. De rio estreito, cheio de pedras, formava-se um verdadeiro mar de águas barrentas e perigosas. Não se via a outra margem. Diziam que o rio Mundaú tinha 7 braços, mas quando cheio, era um bonito espetáculo com as baronesas (planta aquática) cheia de flores azuis salpicadas de branco e amarelo, descendo a correnteza. Os moradores da pequena cidade com tarrafas, puçá, vara com anzol, urupemas (peneiras) e mais o que imaginasse, procuravam pegar ou pescar peixes e camarões para vender ou comer. Rio cheio, camarão à vista. O rio que deságua na cidade de Satuba na Lagoa Mundaú, vai deixando nas margens a riqueza que habita dentro de si: peixes e camarões. Camarão de água doce não tem igual. Só que na nossa casa ninguém nunca se prestou a isso. Meu pai era muito fidalgo para tal. Meu tio, creio, nunca cogitou semelhante trabalho. Meu avô (ele que perdoe) era preguiçoso demais. Eu creio que se ele quisesse, minha avó jamais deixaria. Pobre besta, metido a orgulhoso não se rebaixa para certos trabalhos mesmo sendo para suprir a magra despensa.

Mas voltemos à recordação do nosso rio que era para mim, aos meus olhos de menina triste e tímida, uma coisa linda de se olhar. Era nosso banheiro, nossa lavanderia e nosso passeio predileto para comer ingá, apanhar sapatinho de judeu (flor branca e vermelha do mulungu). A árvore alta, frondosa. Ninguém se atrevia a subir nela por causa dos espinhos. Os ingazeiros estavam a nossa disposição nas margens do rio Mundaú. Dentro de cada vagem existiam 8 ou 10 frutos para serem comidos. Doces e carnudos, uma delícia. Nos quintais tinham cajaranas, laranjas, mangas, goiabas, bananas, aquilo era festa para a criançada e os passarinhos. Minha mãe quando ia tomar banho no rio (só não tomavam banho no rio as crianças de peito ou as pessoas doentes de cama), sempre davam um jeito, ela e as que iam junto, para roubarem melancia do canavial do dr. Alfredo Oiticica. Os homens que trabalhavam no canavial plantavam melancia para aproveitarem o terreno e também para ajudarem a magra refeição.

(continua… aguarde a próxima postagem de Minha Vida)